ENTREVISTA | Existe racismo no Brasil?

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Sim! Mas talvez não seja o que você imagina…

Existe racismo no Brasil? Pode ser que você não saiba exatamente como o racismo se manifesta no Brasil, muito provavelmente por ter sue percepção da realidade influenciada por grupos políticos e ideológicos. Mas a pergunta aqui lançada é respondida com precisão e bom senso por nossa colunista Patrícia Silva, professora e pesquisadora da UFRJ e autora dos livros O que não te contaram sobre o movimento antirracista e O mínimo sobre racismo no Brasil responde.

Quer saber mais sobre o racismo no Brasil e por que você pode estar sendo enganado a respeito dele? Acompanhe a entrevista a seguir!


Revista Esmeril: Você teve lançado recentemente seu livro O mínimo sobre racismo no Brasil. Então, a primeira pergunta é: existe racismo no Brasil? Como ele se manifesta?

Patrícia Silva: Sim, existe racismo no Brasil. É importante, contudo, pontuar que o nosso país não deve ser classificado como racista: não há leis que discriminem pessoas em razão da raça; ao contrário, há leis que penalizam quem faz isso. Há racismo, que se manifesta de uma forma cultural ou como gosto de chamar “de costumes”. O racismo brasileiro faz referências às práticas, atitudes e normas culturais que perpetuam estereótipos e discriminação racial de forma sutil e muitas vezes não-intencional.

Revista Esmeril: Como o racismo é tratado no Brasil? Pelo Movimento Negro, pela esquerda, pela nova direita etc?

Patrícia Silva: A esquerda contemporânea absorveu a teoria do racismo estrutural, levantada pelo ex-Ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida. Tal teoria preconiza que a sociedade e seus membros são inerentemente racistas, e os incidentes racistas associados aos indivíduos e às instituições são entendidos como consequências naturais. Não subscrevo esta teoria e a considero equivocada, tanto do ponto de vista metodológico quanto teórico.

A nova direita ignora a temática para se distinguir da esquerda; é como se jogasse fora a água do banho com o neném dentro. Na tentativa de não se parecer de esquerda, o novo direitista nega todo ponto de pauta que pode parecer de esquerda. A meu ver, trata-se de um enorme equívoco de estratégia política. Ao olharmos para história recente brasileira, encontraremos grandes intelectuais conservadores como Nelson Rodrigues e Gilberto Freyre que jamais negaram o racismo como um problema nacional, tal como faz a nova direita. Aliás, o maior movimento social do século XX foi a Frente Negra Brasileira, primeiro partido político negro do país, com orientação assumidamente tradicionalista. Ou seja, a maior entidade social do século passado era de direita; portanto, é a nova direita, que nasceu nos anos 2010, que ignora a temática racial.

Revista Esmeril: Quais as possíveis razões por que o racismo, no Brasil, não é discutido com a seriedade com que deveria, pelos diversos espectros ideológicos?

Patrícia Silva: Porque é difícil assumi-lo. Florestan Fernandes tinha razão quando dizia que o brasileiro tem preconceito de ter preconceito. A ausência de leis racistas pode mascarar a existência de racismo no cotidiano. Contudo, eu subscrevo Nelson Rodrigues quando ele disse que precisa ser muito cínico para negar que há racismo no Brasil.

Revista Esmeril: Analisando as características desses espectros ideológicos (esquerdas e novas direitas) no Brasil, você acredita em um tratamento mais adequado a respeito do racismo futuramente?

Patrícia Silva: Infelizmente, eu não sou otimista. A esquerda conseguiu a façanha de importar problemas raciais do último lugar do mundo que qualquer ativista deveria buscar solução para tal: os Estados Unidos. Ou seja, a esquerda não apenas foi incapaz de mitigar o racismo como conseguiu ampliá-lo ao criar divisionismo entre a população de cor: fala-se, hoje, em negros retintos, negros de pele clara, negros de pele escura etc. Todas essas expressões são traduções de termos americanos. A direita, por sua vez, reclama dos efeitos das ações esquerdistas, mas se recusa a participar com seriedade do assunto; não é à toa que recebe a pecha de racista e elitista. Compreendo que pode haver (e há!) racistas em ambos os espectros políticos, mas a postura pública da nova direita faz por merecer tal pecha. Observo que a nova direita espera que negros conservadores afirmem que racismo é mimimi ou não existe, mas nenhum pesquisador sério, de esquerda ou de direita, falará isso por um motivo muito simples: não é verdade.

Revista Esmeril: Há bibliografias sobre as questões raciais no Brasil que você possa indicar?

Patrícia Silva: Além dos meus livros “O mínimo sobre racismo no Brasil” e “Mulheres que o feminismo não vê – Classe e Raça”, recomendo a leitura de “Casa-Grande & Senzala” (Gilberto Freyre) e “O racismo explicado aos meus filhos” (Nei Lopes).


1 COMENTÁRIO

  1. Interessante a entrevista e o ponto de vista da entrevistada. Penso muito parecido com ela e creio que este tema, nevrálgico em nossa sociedade, deve ser sim discutido! Mas, como os Deuses do Olimpo ‘desapareceram’, este tende a sumir, quando não falarmos mais dele.. mas antes, colocar em pratos limpos e bem transparentes, que isso é pura ignorância histórica e racional! Não há diferença entre os seres Humanos… Basta que as oportunidades sejam dadas e buscadas!

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