ENTREVISTA | A Venezuela é aqui?

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Paulo Henrique Araújo comenta as “eleições” e a situação da ditadura venezuelana, e o que isso tem a dizer ao Brasil e à América Latina

As eleições presidenciais venezuelanas do último domingo acenderam uma chama de esperança em mitos corações que, por um brevíssimo espaço de tempo, alimentaram a esperança da derrocada da ditadura chavista e novos rumos para nossos vizinhos e a América Latina. Doce ilusão. A contumélia terminou numa fraude descarada, perseguição imediata aos opositores de Maduro, insurreição popular, violência, prisões ilegais e mortes – e quaisquer semelhanças com o Brasil pós-22 não é mera coincidência.

Para saber mais sobre a situação de nossos pobres vizinhos, a nossa mesma e da América Latina, conversei com o analista político Paulo Henrique Araújo, grande estudioso e especialista no que toca aos movimentos revolucionários em nosso grande continente.

Confira e entrevista a seguir.


Revista Esmeril: Como estudioso dos movimentos revolucionários na América Latina, como compreende a “vitória” de Maduro no pleito eleitoral so último domingo, assim como as ações que se seguiram na Venezuela?

Paulo Henrique Araújo: A expectativa de haver uma frauda na eleição venezuelana já era grande, e esperada por toda a comunidade internacional. Eu estava bastante cético em relação aos resultados, mas admito que, durante o mês de julho, com as notícias que foram chegando da Venezuela, cheguei a sentir um vento auspicioso vindo de lá. E em algum momento, no domingo, foi possível acreditar, sim, em uma derrota de Maduro, principalmente pela forma como a oposição venezuelana estava trabalhando para validar as informações que iam sendo computadas. É justamente isso, aliás, que está fazendo a diferença, porque existem várias atas de urnas que, antes de serem fraudadas, chegaram até a oposição, foram contabilizadas e estão mostrando essa diferença entre os dados “oficiais”, mostrando que Edmundo González teria em torno de 73% dos votos, ao contrário dos 44% que o governo publicou. Isso agora dá uma chancela maior e um maior poder de argumentação e de cobrança sobre o governo de Maduro – apesar de, neste momento mesmo, aquele governo estar fazendo todo o possível para chancelar a fraude, inclusive com a ajuda da China e da Rússia.

Revista Esmeril: Em meio às revoltas populares que se seguiram ao resultado da eleição eleitoral, surgiu um grupo armado gravando vídeos em que intimidavam Maduro e o ameaçavam caso a fraude se concretize. Quem são essas pessoas, a quem estão ligadas e quais seus reais objetivos?

Paulo Henrique Araújo: O Tren del Llano é uma facção que surgiu em 2008, fundada por José Antonio Tovar Colina, especializada em roubos de veículos. Depois, ela acabou crescendo, se espalhou pelo país e começou a participar de assassinatos de políticos, sequestros, extorsão e tráfico de drogas. Uma eventual derrocada de Maduro poderia abrir espaço para a atuação dessa facção dentro da Venezuela, com a queda do Cartel de los Soles, pois não existe vácuo de poder – se o Cartel de los Soles cai junto com o regime de Maduro, cria-se ali um vácuo no campo do tráfico de drogas de que o Tren del Llano, junto com uma facção irmã, o Tren de Aragua, podem se aproveitar.

Revista Esmeril: Tendo em vista as semelhanças entre os acontecimentos na Venezuela e no Brasil de 2022 pra cá, com um processo eleitoral fraudulento, juristocracia criminosa, perseguição a opositores, exílios, prisões ilegais, etc., podemos entender que “a Venezuela é aqui”?

Paulo Henrique Araújo: Não é tão simples fazer essa comparação de forma tão direta entre os dois países, mas podemos apontar algumas similaridades.Se olharmos, por exemplo, as pessoas presas e condenadas pelo 8 de Janeiro, sem o devido processo legal, e sofrendo penas completamente desproporcionais aos crimes alegados – muitos apenas estavam no local, sequer participaram dos atos daquele dia. Comparando essa situação com a da Venezuela, vemos que o Maduro já prendeu mais de mil pessoas que se levantaram contra o resultado de domingo, e está falando que essas pessoas terão de 15 a 30 anos de prisão. Essas similaridades existem em outros países que estão sobre influência do Foro de São Paulo, como Bolívia e Nicarágua.

Revista Esmeril: O que você consegue prever para os próximos anos na América Latina? Existe alguma esperança para nosso grande continente?

Paulo Henrique Araújo: Esta é uma pergunta desafiadora.O foro de São Paulo, depois de 2019, quando a China e a Rússia passaram a dar um subsídio muito grande sobretudo para a Venezuela, eles cresceram rapidamente e implementaram o que foi formulado, dentro dos planos do Foro de São Paulo, chamado de Brizita Bolivariana – há vídeos em que o próprio Maduro e Diosdado Cabello afirmam a existência desse plano. Entre as ações desses planos, houve ao mesmo tempo diversas manifestações de rua no Chile, na Colômbia, no Equador, no Peru, na Argentina (de forma bem mais moderada) e no Brasil, com o intuito de pressionar e enfraquecer os governos de então – no Brasil, inclusive, tivemos a soltura do Lula acontecendo nesse período. Todos esses países, com exceção da Argentina, estavam sob governos não vinculados ao Foro de São Paulo. Esses movimentos surtiram efeito, pois, com exceção de Argentina e Equador, todos esses países voltaram ao domínio de governos ligados ao Foro.

Agora, o continente passa por um momento de transição, em que a liderança de Xavier Milei, na Argentina, está se revelando muito meritória, pois todos esses regimes têm atualmente o financiamento da China e o apoio bélico da Rússia.

E ainda temos, também, no continente, alguns perigos ligados a uma falsa direita, ou de um falso viés de conservadorismo, que também vem da Rússia, e isso está se consolidando em diversas regiões. Em El Salvador, por exemplo, Bukele tem ligações com o Foro de São Paulo em seu passado, assim como muito boas relações com Rússia e China no presente.

Mas, voltando ao Milei: é ele quem vem mudando esse panorama. Podemos ter por um curto período de dominância do Foro de São Paulo, haja vista que Argentina, Paraguai, Uruguai e Equador, hoje, estão com governos mais alinhados à direita. No Peru, o governo, que apesar de ser de esquerda, tem bom alinhamento com Paraguai, Uruguai e Argentina. Também a República Dominicana e a Costa Rica estão alinhados dessa forma. Mas tudo vai depender de como será o alinhamento desses países com os EUA, em relação a uma possível administração Trump, e também com a China – pois quanto mais a China se fortalece aqui no continente, mais a Rússia também ganha espaço na área cultural.

É difícil dizer se temos um futuro promissor, mas, ao que olhamos no horizonte, é possível enxergar alguma luz no fim túnel, para que esse “abraço vermelho” que o Foro de São Paulo está dando no continente não seja tão longo.


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