Ricardo Vélez Rodríguez fala sobre seu livro recém-lançado pela E.D.A.
O entrevistado desta semana é Ricardo Vélez Rodríguez, professor, filósofo, ensaísta e teólogo colombiano-brasileiro, 53º Ministro da Educação do Brasil. Na entrevista a seguir, Ricardo fala sobre seu livro recém-lançado pela E.D.A., Escritos dos Santos Padres, que recolhe as pesquisas realizadas sobre os escritos dos filósofos e teólogos dos quatro primeiros séculos da Igreja, período conhecido como Patrística. O livro contém estudos sobre as línguas e os gêneros literários que formaram a Bíblia Sagrada.
Confira a entrevista a seguir, e um excelente final de semana!
Revista Esmeril: A Editora E.D.A. lançou recentemente seu livro Escritos dos Santos Padres. Fale um pouco sobre quando e como surgiu seu interesse por estudar a Patrística, e como foram desenvolvidos os estudos que resultaram nesse livro.
Ricardo Vélez Rodríguez: Estudei a Patrística como uma das matérias básicas do Curso de Teologia feito por mim, no Seminário Conciliar de Bogotá, entre 1965 e 1968. Nesse Curso, além da Exegese Bíblica, era estudada a História da Igreja e, nela, dava-se muito destaque aos quatro primeiros séculos do Cristianismo, justamente a época em que viveram, escreveram e ensinaram os Santos Padres.
Revista Esmeril: Qual é a atualidade dos Padres da Igreja? Qual sua importância ainda nos dias de hoje?
Ricardo Vélez Rodríguez: A atualidade dos Santos Padres é muito grande, pois essa foi a época na qual, à luz da Teologia Bíblica, foram elaboradas as primeiras sínteses sistemáticas acerca dos temas fundamentais do Cristianismo. Um ponto ressalta nos ensinamentos dos Santos Padres: há verdades que permanecem para sempre e, dentre elas, as afirmações de que Deus criou os seres humanos à sua imagem e semelhança e de que Ele enviou o seu Filho ao mundo para nos salvar e garantir, para os que o aceitam, a vida eterna. Ora, lembrar essas verdades, neste mundo conturbado por guerras e uma cultura woke que pretende extirpar a fé religiosa e o Cristianismo, é uma coisa fundamental, para termos a paz e o convívio harmonioso com os nossos semelhantes.
Revista Esmeril: Dentre todos os escritores da Patrística, quais os que considera os mais importantes, e por quê?
Ricardo Vélez Rodríguez: Destaco dois: São Flávio Justino (100-165) e Santo Agostinho de Hipona (354-430). Primeiro, porque ambos escolheram a profissão de Mestres de Filosofia, ou seja, optaram pela docência das Humanidades. A filosofia era, para esses dois autores, o caminho para conquistar a paz de espírito, num mundo sacudido por guerras, violência e intolerância. Para ambos, o estudo da Filosofia Grega constituía um caminho válido para ter um sentido da existência. Devemos, no mundo, conquistar o domínio da razão sobre as tendências materiais, a fim de conquistarmos a paz de espírito. A Filosofia humanística que prevalecia então era o estoicismo. Ambos se converteram ao Cristianismo, ao concluírem que só a doutrina da salvação em Cristo, seguindo o Evangelho, é a única que nos garante a paz interior. E dedicaram a sua vida ao diálogo com os seus semelhantes, tentando ensinar o que seria a via verdadeira para a completa realização humana, na prática do Cristianismo.
Flávio Justino morreu em decorrência da defesa da fé cristã, que era considerada, pelos seus detratores, como a negação da autoridade do Imperador. Santo Agostinho de Hipona lutou bravamente, durante a sua vida adulta como bispo de Hipona (na Africa), para pôr a nu os erros daqueles que consideravam ser a salvação do homem, unicamente, o desenvolvimento da sua razão, negando a fé religiosa. Para Agostinho, longe de negar a razão, a fé é a culminância do conhecimento, pois nos garante a visão de totalidade do homem no Mundo, numa perspectiva de imortalidade, formando parte da Cidade de Deus, mediante a prática do Cristianismo. Santo Agostinho considerava que a missão da Igreja não consistia em se acomodar às benesses que lhe oferecia o Império Romano, já decadente, mas em estender a sua missão evangelizadora aos bárbaros, ignorados por Roma. Ele assinalou o caminho que a Igreja deveria seguir nos séculos seguintes, evangelizando os bárbaros. Agostinho foi, sem dúvida, um dos fundadores do Cristianismo Medieval.
Revista Esmeril: Fale um pouco sobre a segunda parte do seu livro, que é dedicada às línguas e aos gêneros literários da Bíblia.
Quando se estuda a hermenêutica, que é a ciência da interpretação dos textos antigos, os especialistas na historiografia bíblica destacam que a questão fundamental consiste em prestar atenção aos “gêneros literários”, ou seja, as tradições orais que deram ensejo aos relatos transcritos posteriormente. Assim, o estudo acerca de como surgiu a literatura bíblica deve acompanhar a evolução das tradições orais, para o seu registro por escrito. É dessa forma como se pode reconstruir o processo de composição dos livros que integram a tradição bíblica. Ora, essa literatura nasceu e evoluiu no contexto do chamado pelos historiadores e arqueólogos de “Crescente Fértil”, essa meia lua situada entre os Rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia, e o Rio Nilo, no Norte da África.
Para os cristãos, Deus se revelou na Bíblia. Mas se revelou no seio das denominadas “tradições bíblicas”, aqueles relatos primordiais que integraram a literatura hebraica nos seus inícios. Ora, essas “tradições literárias” foram vertidas em textos escritos em línguas da época: o aramaico, o hebraico e o grego comum, chamado de “koiné”. Conhecendo essas tradições, podemos encontrar o sentido completo do conteúdo dos textos bíblicos que, para os cristãos, constituem a mensagem de Deus.