CRÔNICA | Contas do Rosário

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

Da tevê para o celular

Larguei o celular e sentei-me diante da tevê. Nesses últimos dias ando muito perturbado, só pode ser consequência das disputas políticas que testemunho cotidianamente. A bem da verdade, eu sou um mísero CPF com pouquíssimo interesse em contribuir opinativamente sobre os fatos que nos chegam vindos de Brasília. Se há lei e ordem, se há viés liberal e se há liberdade eu me dou por satisfeito, nem penso mais em política. Mas, para a minha tristeza, não é o que percebo, todos os dias, quando vejo o noticiário — na internet ou na tevê.

Só um cego não vê que a lei, a ordem e a liberdade estão sob gravíssima ameaça em terras tupiniquins. Dizem as más línguas que este ente genérico chamado brasileiro tem memória curta; bem, as línguas que dizem isto não são de todo más. Desde o dia 15 de novembro de 1889, quando um golpe de estado pôs fim ao estável e próspero regime monárquico — isto é pura História, basta ler para comprovar –, o Brasil, daí para frente republicano, passou de golpe em golpe, de crise em crise, de disputa em disputa até os nossos dias. Desde o final do século XIX o Brasil não sabe o que é passar pelo menos 20 anos com alguma estabilidade.  

O âncora do jornal na plataforma de vídeos na internet comenta sobre os resultados estranhos das pesquisas eleitorais e da própria eleição no primeiro turno. Não me recordo de ter testemunhado uma conjuntura dessas… O homem fala com uma indignação tão contundente que reverbera até mim, sentado no sofá. Decido sair. Vou até a geladeira, apanho um iogurte integral, adiciono açúcar, uso uma colher para deixar a mistura o mais homogênea possível e torno à sala. “Todas as pesquisas feitas e veiculadas por esses institutos erraram, todas!”, disse o jornalista de cabelos brancos. 

Se é verdade que é impossível amar sem sofrer, então eis a prova de que muito amo o meu país. Estranho. Tenho a impressão de que alguém que me lê faz cara de reprovação. Por quê? Por que é feio amar a terra onde se nasce? Por que é uma atitude digna de censura expressar amor à terra natal, à língua natal, à cultura natal… à religião? A quem isto incomodaria tanto? O que se ganha com isto? Não é preciso ter ido muito adiante no esforço investigativo de caráter histórico e sociológico a fim de vislumbrar uma resposta. Não. Basta observar a dinâmica do mundo comunista que nos cerca. Está tudo lá.  

Deus? Quem é Deus? Se houve um, já morreu há muito. Família? Não, aqui todos nos irmanamos na grande pátria bolivariana. Liberdade? Só para cumprirmos com o nosso dever para com o Estado… Enquanto assistia ao ótimo jornal na internet – coisa fina mesmo, caprichada, do tipo que não se vê na tevê aberta, do tipo que admite uma dose mais vigorosa da velha confrontação dialética da qual falava Aristóteles –, comecei a fazer uma concatenação de todos os fatos que eu ouvira ou lera sobre a situação. 

A “democracia” tal como encenada no Brasil é mesmo uma coisa estranhíssima. Alguns diriam que é tragicômica; eu, como sou realista, digo que é só trágica. Não tem graça. Aliás, de tanto olhar para ela, o sujeito, se for demasiado sensível, pode sair chorando. O governo “democraticamente” instituído deve honrar e defender os valores honrados e defendidos pelo povo. Óbvio, a política não trata dos valores, mas do poder; no entanto, aquele que exerce o poder – se eleito sob uma democracia – tem sim o dever de honrar e defender os valores daqueles que o elegeram. É muito simples, ou será que não?

Mas não é assim que acontece, não no Brasil. Por aqui os políticos de esquerda, tão logo se veem no exercício do poder – conquistado à base da mentira –, tratam de iniciar uma verdadeira revolução: chutam para além do horizonte todo e qualquer resquício do comprometimento assumido durante a campanha com os “valores” do povo em prol da velha e famigerada agenda revolucionária. Basta usar os olhos para comprovar. É evidente.

Quem, dentre os políticos da canhota, tem a coragem de interpelar o povo sobre ideologia de gênero, liberação das drogas ou aborto? O próprio chefe dos vermelhos, o Nove-Dedos, afirmou certa feita que “o povo não está preparado para esse tipo de discussão”. Não, claro que não! E por quê? Ora, porque são discussões que só admitem a ponderação da elite, o povão que vá cuidar das contas do seu Rosário. Nada mais antidemocrático, nada mais vil, nada mais covarde e mentiroso do que o discurso da esquerda. Eis aí um dos indícios de que a gênese da demagogia é a própria democracia. O velho Aristóteles continua atualíssimo.  

Desligo a tevê, apanho o celular, torno à plataforma de vídeos, escolho um andamento allegretto para violino na minha lista de reprodução e… desisto. Ando muito perturbado nos últimos dias. Vou cuidar das contas do meu Rosário.  

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