CESAR LIMA | Brasil, celeiro de espiões.

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O mundo passa por um dos momentos mais complexos pós-Segunda Guerra. As tensões geopolíticas e militares estão explodindo por vários países com ciberataques e sabotagens silenciosas. Nesse contexto, o Brasil emerge, surpreendentemente, como peça-chave no xadrez da espionagem global. Nossa declarada neutralidade não é tão neutra quanto parece. Está mais par uma ingenuidade omissa; e isso tem um preço – um alto preço.

O que parecia enredo de filme de espionagem se revelou realidade brutal: agentes russos estão operando em solo brasileiro, disfarçados, infiltrados, e jogando pesado. O prestigioso jornal The New York Times trouxe uma série de artigos que revelaram como a inteligência russa tem usado o Brasil como trampolim estratégico. Agentes de fachada, passaportes falsificados e identidades construídas meticulosamente por anos revelam uma operação fria, calculada e silenciosa. Se acredita isso ter começado ainda nos tempos da Guerra Fria, pela extinta KGB, o órgão de espionagem da União Soviética.

Todo o esquema começou a ser desmantelado quando Sergey Cherkasov, agente da GRU (serviço de inteligência militar russo), tentou se infiltrar no Tribunal Penal Internacional de Haia, utilizando uma identidade forjada de um cidadão brasileiro. A operação fracassou — graças a uma rara colaboração entre serviços de inteligência ocidentais e brasileiros. Porém, essa expôs o nível alarmante de vulnerabilidade e conivência institucional no Brasil.

Analistas de inteligência passaram a divagar sobre por que o Brasil. As respostas encontradas esclarecem muitas coisas. Primeiro, porque aqui é fácil. Documentação frouxa, fronteiras extensas, fiscalização deficiente e um sistema cartorial que ainda permite brechas absurdas. A combinação perfeita para quem quer criar uma identidade limpa, legal e, sobretudo, à prova de investigações superficiais.

Segundo, porque o Brasil é o esconderijo ideal. O nosso passaporte é bem aceito na maioria dos países, e somos um país diverso e miscigenado – pelo que nomes e aparências não geram suspeitas. Ademais, devido a nossa posição consolidada de líder na América do Sul, grande país exportador, com boa infraestrutura de transportes e participação ativa em organismos multilaterais, somos uma base operacional conveniente para ações clandestinas que vão desde espionagem tecnológica até influência política e econômica. Não se trata de acaso. É uma escolha calculada.

Por fim, para piorar, o discurso da neutralidade, tradicional na diplomacia brasileira, soa hoje, aos governos mais atentos, como ingenuidade perigosa — ou, pior, como omissão deliberada. Enquanto nossas autoridades se surpreendem ou fingem surpresa, especialistas em segurança de várias partes do mundo, alertam: o país já é, há anos, rota de espiões – tanto de russos, chineses, iranianos e de outras potências silenciosas.

Como tem sido recorrente, a resposta brasileira beira o patético. Quando não se terceiriza a solução para agências estrangeiras, finge-se que nada está acontecendo. São posturas que colocam em risco não apenas informações sensíveis aos interesses brasileiros, mas também a soberania nacional. Nesse caso específico, relatado pelo The New York Times, contrariando fontes de dentro da própria Polícia Federal e ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), o Ministério da Justiça e Segurança Pública simplesmente minimizou o fato.

Mas esse escândalo dos espiões russos é só a ponta do iceberg. Há fortes indícios de outras operações ilegais ocorrendo a partir do Brasil: redes de desinformação; tráfico de drogas e armas; lavagem de dinheiro do terrorismo internacional disfarçada em operações legítimas; etc. – Tais organizações ainda utilizariam nosso país como meio para tentar se infiltrar em organismos multilaterais. Enfim, grupos terroristas e narcotraficantes estariam à vontade em solo brasileiro e o atual governo parece não se importar com isso. Vide o recente caso em que o governo recusou-se, em parceria com os Estados Unidos, a classificar os grupos Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital como entidades terroristas.

O Brasil, pela sua posição estratégica, gostando ou não, está no jogo. Mas, diferente dos outros jogadores, parece não entender as regras, ou finge não entender. E, nesse jogo, quem não entende as regras não joga — é jogado.

Em um mundo polarizado, nossa confiança romântica na “neutralidade” traz consequências. Para os países democráticos, o Brasil deixou de ser uma escolha segura. Pelo contrário, o país é visto cada vez mais como parceiro do Eixo das Ditaduras, encabeçado por China e Rússia, além de Irã, Coréia do Norte, Cuba e Venezuela. Trata-se de uma neutralidade aparente.

Diante disso, o país precisa tomar uma decisão: se continuará sendo o quintal das potências ditatoriais, onde espiões circulam livremente; ou se assumirá o protagonismo que sua posição geopolítica exige junto às nações ocidentais democráticas. Enquanto o nosso governo hesita, os espiões não. Eles estão entre nós. E trabalham. Incansavelmente, como os últimos acontecimentos demonstram. O Brasil precisa acordar, antes que seja tarde, e sejamos acordados compulsoriamente.

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