SANTO CONTO | A lâmpada (conversa durante o castigo)

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

História baseada em um um episódio da vida de São Charbel Makhluf

Então, por que você veio parar aqui no castigo? O quê? Sério? Mel no solidéu? Rapaz… Aí, Youssef, esse é dos nossos! Se bem que… Bom, vou te contar como é que a gente está aqui, então! De novo, aliás…

Sabe o Irmão Charbel? É, aquele mesmo, sério, quietão, quase não fala com ninguém, vive rezando o tempo inteiro lá na cela dele, esse aí. Ontem eu e o Youssef estávamos de auxiliares na despensa, e ele apareceu, aquela cara carrancuda de sempre. Já era de noitinha e ele tinha ficado sem luz na cela, estava lá estudando as Escrituras, ou qualquer coisa, sei lá. Queria mais azeite pra lâmpada dele.

Fomos buscar, bem obedientes. Mas, aí, cê sabe, deu aquele comichão, aquela vontade de aprontar que vive trazendo a gente aqui pro castigo. Sabe como é, é só a gente pensar “E se…”, que o estrago já tá feito! Mas a ideia foi do Youssef aí, é ou não é Youssef? Foi ele o “gênio maligno”, hehe…

Mas então, esse “e se” que ele pensou foi o seguinte: em vez de azeite, a gente colocou água na lamparina do Irmão Charbel. Ele agradeceu e até sorriu, e foi um sorriso tão simpático, tão bondoso, que, olha, deu remorso na gente aquela hora. O coração ficou pesado… Mas aí, o comichão de novo, né? Pois é.

A gente foi de fininho atrás dele, pra espiar e ver o Irmão sendo feito de bobo, tentando acender a lâmpada com “azeite batizado”. Mas aí, que aconteceu? Quando fomos chegando perto da cela, vimos a luz acesa. O Youssef aí, sem noção, já foi enfiando pescoção pra dentro, mas o Irmão Charbel nem se deu conta. Estava lá, concentrado, lendo. E lâmpada lá também, com o “azeite” queimando. Rapaaaaaaaz… Meu coração, àquela hora, disparou.

Fomos correndo falar com o Irmão Ibrahim, contamos tudo. De cara já tomamos um pescoção cada um, por termos aprontado… de novo. Ele mandou a gente ficar quietinho ali, que já voltava. Você ficava? Pois é, nem a gente. Esperamos um pouco e fomos, de mansinho outra vez, seguindo ele até a cela do Irmão Charbel. Espichamos o pescoço pela porta, e Irmão Ibrahim estava lá, papeando, examinando a lâmpada cheia de água como quem não quer nada. O Irmão Charbel viu a gente e nos denunciou com aquele sorriso bondoso e simpático (ah, o remorso…). O Irmão Ibrahim se despediu, deu a bênção e foi saindo, só olhando pra gente com aquela cara “pescoção à vista”.

E foi assim que a gente veio parar aqui no castigo. Mas nem ligamos, sabe? Acho que foi até pouco. Aquela lâmpada queimando com água, rapaz… E aquele sorriso, aquele olhar do Irmão Charbel bateu fundo, viu? Essa coisa toda deixou a gente pensando. O comichão continua aqui, mas acho que é hora de mudar de vida. Quem sabe a gente tentar ser mais parecido com ele, menos conversa e mais silêncio, mais oração, mais estudo? Se a gente quer mesmo ser monge, se a gente quer seguir essa vida, acho que é hora de tomar jeito, né? Só sei que, se o Irmão Charbel não for santo, eu sou um camelo do deserto!

Ah, e olha, o Irmão Ibrahim fez a gente prometer que não ia contar essa história pra ninguém, então, silêncio, hein! Ih, falando nele, ó quem tá vindo. Baixa a cabeça e reza aí!


DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor