VITOR MARCOLIN | Gênero Neutro

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

Achocolatado instantâneo

É mister dizer, desde já, que o leitor, seja ele hétero ou homossexual, é muito bem-vindo aqui. Eu não consigo ver razão para impedi-lo ou, pelo menos, querer que você, leitor de qualquer convicção ética, afaste a sua atenção das caprichadas colunas desta revista, feitas com tanto esmero, escritas com tanta sinceridade. Hoje, como já está dito, faremos uma reflexão sobre esta realidade da militância político-ideológica que, finalmente, alcançou — com o seu típico extremo mau gosto – a linguagem do homem comum.

Ainda à guisa de conciliação, de panos quentes, de uma respeitável massagem antiestresse nos ombros – sim, a fim de combater, de antemão, os efeitos da tensão provocada pelo tema polêmico –, é mister ainda dizer que o propósito desta coluna não é pôr em discussão, sob quaisquer juízos de valor, as preferências sexuais do leitor. Longe disto. Apesar de ser praticamente impossível não associar uma coisa com outra, leitor, as contas das suas escolhas, das suas decisões livres serão — como, claro, as de todos nós — cobradas diante de Deus pelo próprio Deus. Não é difícil entender, sejamos honestos.

E, sobre este credor terrível, não estou a falar de uma mera força cósmica subjetiva, do Universo, da Consciência Universal, do Bem Supremo, do Ser Supremo ou de qualquer divindade indefinida. Não. Veja, eu não posso ser hipócrita: verdade conhecida é verdade obedecida. Estou a falar, objetivamente, do Deus Cristão, YHWH, o Deus de Abraão, Isaac e Jacob; o Logos Divino, Yeshua Hamashia que se encarnou no útero da Virgem Maria. Negar a importância fundamental da religião que fundou a sua própria cultura é tão coerente quanto negar a existência do chão sobre o qual você caminha simplesmente porque o chão do vizinho, aparentemente, é mais gostoso de se caminhar. Ponto pacífico. Sigamos.

Num esforço didático, podemos dizer que a linguagem – na acepção mesma de comunicação de ideias — só se efetiva dentro dos limites do mundo objetivo, no qual os referentes sejam reconhecidos por todos. Isto, caro leitor, também é ponto pacífico — se não, dê-nos um exemplo. As sensações, tendências e preferências subjetivas do sujeito não devem, portanto, ter força tal a ponto de modificar, artificiosamente, a estrutura sintática, lógica da linguagem. E não devem, caro leitor, porque não podem simplesmente. Pelo menos não podem impunemente. E não precisamos voltar aos panos quentes e à massagem relaxante, já estamos pacificados.

Qual é, em suma, o argumento em prol da imposição da linguagem não binária? (Perceba que só o nome da proposta já é um louvor ao subjetivismo) Vejamos: garantir a representatividade, no âmbito da linguagem, das criaturas humanas que, por convicções subjetivas, não se sentem devidamente representadas pela realidade dos dois gêneros existentes. Isto é um completo absurdo! É evidente que TODAS as criaturas humanas estão muitíssimo bem representadas na língua corrente. Não é preciso explicar que quando a professora diz – com entonação variável em função do seu humor — “bom dia a todos” ela inclui alunos e alunas; até, claro, aqueles que não se “sentem” nem alunos nem alunas da gentil professora. 

E esta amabilíssima professora deveria considerar em pé de igualdade com os gêneros normativos – e com toda a estrutura sintática da língua portuguesa — o eventual (e ridículo, desculpando-me com os mais sensíveis) “alunes”? Parabéns ao leitor sensato que respondeu com a sugestão de que a docente deveria, se muito, enquadrar a tal linguagem “não binária” na categoria das gírias. E, note, as gírias não devem ser proibidas; elas existem como expressão natural dos diversos nichos que compõem a sociedade: surfistas, pedreiros, cozinheiros, grafiteiros, sapateiros, marinheiros, skatistas, pianistas, ciclistas, roqueiros, sambistas… Cada qual, naturalmente, expressando-se no seu dialeto próprio. O malogro do mundo começa quando um certo grupo social, valendo-se das suas mais obscuras convicções subjetivas, impõem a sua linguagem grupal para toda a sociedade.

A verdade é que, abstraindo-se a possível malícia ideológica dos socialistas de Iphone, a linguagem neutra é uma grande obra de ignorância. O sexo biológico é rigorosamente um acidente, na acepção aristotélica do termo — acidente da qualidade. Não sei quanto ao nobre leitor, mas eu mesmo nunca vi danados ou danadas de ninguém caminhando como seres autônomos por aí. E a lógica que é pano de fundo da gramática geral sintetiza precisamente estas experiências mais fundamentais com a realidade. Daí ser impossível dissociar a linguagem da lógica. Se a ausência do gênero neutro – tal qual é discutido atualmente – fosse verdadeiramente um problema, os grandes gramáticos, literatos e escritores teriam se dedicado a ele. Ou será que não?

Quando foi que nos seus escritos poetas e prosadores nativos da língua portuguesa como Luís Vaz de Camões, Gil Vicente, Alexandre Herculano, Almeida Garrett, Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Fernando Pessoa, Machado de Assis, Castro Alves, Gonçalves Dias, Lima Barreto, Gustavo Corção, Carlos Drumond de Andrade, Manuel Bandeira ou Cecília Meireles – citando alguns de memória — indispuseram-se contra a estrutura lógica que subjaz como fundamento da linguagem?

Se os mestres da humanidade não conseguiram vislumbrar problema algum num inocente e corretíssimo “bom dia a todos” por que um implicante universitário do século XXI, sujeito que luta em prol do direito de todos defecarem na mesma privada, vislumbraria? A hipocrisia é tão explícita e invencível quanto a explosão da aurora no deserto do Saara. Se a demanda é para proteger os homossexuais da violência física e verbal, então que se os proteja! Aliás, pergunto eu já para encerrar, quantos homossexuais o universitário pró-gênero neutro já efetivamente livrou de agressões físicas, por exemplo. Quantos? Você já comprou uma boa briga a fim de defender um colega gay sob o risco iminente de levar uma surra?  

As mudanças na linguagem, se não ocorrerem de forma orgânica e não forem cristalizadas pelo tempo, não passam de um meio – nem sempre sofisticado – da mentalidade revolucionária inflacionar a confusão no mundo. O objetivo é, como George Orwell mostrou, engordar o poder de uma elite odiosa que despreza visceralmente a velha e orgânica vida comum do homem comum e da mulher comum. “Todes” só se for o plural aportuguesado do achocolatado instantâneo Toddy – que, por sinal, é meu preferido.

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