VITOR MARCOLIN | Descoberta

Vitor Marcolin
Vitor Marcolin
Ganhador do Prêmio de Incentivo à Publicação Literária -- Antologia 200 Anos de Independência (2022). Nesta coluna, caro leitor, você encontrará contos, crônicas, resenhas e ensaios sobre as minhas leituras da vida e de alguns livros. Escrevo sobre literatura, crítica literária, história e filosofia. Decidi, a fim de me diferenciar das outras colunas que pululam pelos rincões da Internet, ser sincero a ponto de escrever com o coração na mão. Acredito que a responsabilidade do Eu Substancial diante de Deus seja o norte do escritor sincero. Fiz desta realidade uma meta de vida. Convido-o a me acompanhar, sigamos juntos.

Xingar ajuda, mas não resolve o problema

Provavelmente, este será o texto mais aleatório que já enviei para as colunas semanais da Esmeril. O fato é que, às vezes, a mente precisa de um descanso, de uma espécie de suspensão da atenção a fim de recobrar a força despendida na labuta do cotidiano. É natural. Um fenômeno estranho acontece na mente do escritor quando ele se vê assoberbado de deveres e quase sem nenhum tempo para descansar: os assuntos, os temas multiplicam-se por mil, o que torna praticamente impossível concentrar a atenção num ponto fixo. É paradoxal. Humildemente, com senso das proporções, eu poderia discorrer sobre a convocação do chocolate Bis para a guerra cultural, a prisão de rabos entre a grande mídia e os defensores do grupo terrorista Hamas, a burlesca eleição presidencial na Argentina, o novo investimento da Petrobras na Bolívia, o recente Nobel de Literatura, a tragicômica senilidade do hóspede da Casa Branca ou sobre a marca de relógios Óris, que descobri recentemente e cujos modelos automáticos são de uma perfeição quase divina. Mas não. Como eu disse: são mil temas, mas nenhum ponto fixo. O que fazer?

Em momentos de acídia literária eu sou conduzido por forças misteriosas a olhar para o propósito mesmo da Literatura: registrar a condição humana inserida na realidade. Vaidade…. Hipocrisia. Falsidade. Inveja…. Arrependimento. Atribuem ao ensaísta espanhol José Ortega y Gasset o seguinte período: “Eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo a ela, não me salvo a mim”. Certo. Profundo. Ninguém duvida de que é um irresistível convite à reflexão. Estou impossibilitado de me separar do conjunto que perfaz as minhas circunstâncias, o meu meio, meu habitat. Não. É impossível. Eu não posso “deixar a vida para entrar na História”, não posso sair da existência porque ela me assusta com as suas dificuldades, com os seus desafios. “Coragem para a luta!”. Ontem, tive a oportunidade de aprender com uma dificuldade.

Dirigi-me à estação de trem porque era dia de trabalho. “Dentro de 1 hora e 20 minutos estarei na Avenida Paulista”. Mas não desta vez. O totem da Autopass instalado na Estação Antônio João da Via Mobilidade (a antiga e saudosa CPTM) exibia os seguintes dizeres: “Equipamento em manutenção”. Não xinguei de primeira. Não. Sanguíneo não, talvez fleumático. Imaginei que seria fácil resolver o problema. De fato, o problema foi resolvido, mas não pela via mais fácil — eu tinha de aprender alguma coisa. Caminhei. Inicialmente, dei alguns passos até o caixa eletrônico quase adjacente ao totem quebrado: só notas de R$ 100,00. Caramba! E agora? Decidi caminhar um pouco mais, fui até o shopping do quarteirão. Lógico: eu tinha esperança de sacar uma nota de R$ 20,00. “Moço, o shopping tá aberto só pra lojista; o caixa eletrônico abre às 10h”. Olhei o relógio. Não era 10h, faltava muito para chegar às 10h. Saí.

De volta à estação, tive de enfrentar as filas. E de repente, o clarão da manhã foi obscurecido. Eu estava com raiva. Foi estranho: paradoxalmente, senti uma espécie de apatia, uma pontinha de desgosto da vida traduzido numa sombra que escondia a beleza de todas as coisas. O canto dos pardais acasalando no topo da mangueira às margens da estação não tinha mais graça; a vulgaridade das mulheres que se insinuavam na fila não me levava a ter fáceis pensamentos errados; e nem os pedidos de desculpas das velhinhas que empurravam faziam-me sorrir simpaticamente. Não. Um, dois, três, quatro trens passaram. Eu já devia estar na Paulista, mas nem sequer havia embarcado. A angústia sufocava. O que fazer? Talvez eu pedisse ajuda a um transeunte apressado, mas ninguém parava. Já sei: o guarda da estação. Sentindo um misto de tristeza e mau humor, expus a situação para o seu guarda que, em resposta, matou-me com a pergunta: “Mas o senhor não sabia que pode comprar a passagem diretamente pelo WhatsApp?”. Cheguei à redação feliz da vida.

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