SANTO CONTO | O pai do Filho de Deus

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Baseado em Mt 1, 18 – 24 

Era tarde da noite, mas José não havia ido para casa. Ficou na oficina, sentado à sua mesa de trabalho, a matutar e digerir o que acontecera mais cedo. Apesar do cansaço do dia de trabalhos tão pesados, não conseguiria mesmo conciliar o sono. Naquela tarde Maria o havia chamado para uma “conversa de extrema importância”, e ele achara que seria qualquer coisa relativa às núpcias que se dariam dali a alguns dias. E então veio a revelação: ela estava grávida, e afirmava que a criança em seu ventre havia sido “anunciada por um Anjo”, era “obra do Espírito Santo” e “o Filho de Deus”.

Ele, que já era de costume calado, nada respondeu. Olhou a jovem noiva, que o encarava com humildade, e retirou-se. Voltou para a oficina, onde se concentrou no trabalho e tentou não pensar no assunto até que terminasse a porta em que estava trabalhando. Sem sucesso. A cada movimento de martelo, formão ou lixa, a cada novo detalhe em que se esmerava, vinha-lhe à mente o rosto de Maria e suas palavras, e se angustiava. Em seu coração, ele não duvidava dela, senão de si. Em sua mente, martelava incessantemente a frase: “Por que eu, Senhor?”. Não conseguia conciliar a ideia de ser ele o pai e guardião do Filho Encarnado de Deus e Salvador do Mundo, assim, não podia aceitar ser o marido de Sua mãe neste mundo. Afinal, que dignidade tinha ele para ser merecedor de tal papel? E se angustiava mais ainda por, mesmo que sem querer, duvidar da vontade e dos desígnios do Pai. Mas, não. Deus não se enganava, nunca. Estaria ele, então, sendo posto à prova? O que fazer neste caso? 

Fosse o que fosse, ele precisava tomar alguma resolução: aceitar que os planos de Deus eram aqueles mesmos e se casar com Maria, ou que, pelo contrário, era de Sua vontade que ele, José, se retirasse para que o Salvador pudesse resplandecer? Afinal, Ele não poderia vir ao mundo como o filho de um simples carpinteiro de Nazaré, e o mais indigno dos filhos de Deus. Impossível.  O Altíssimo deveria ter Seus planos, e José confiava neles. Seria seu papel, portanto retirar-se. No entanto, havia ainda um enorme problema: o que dizer a Maria? Como proceder? Um rompimento súbito poderia gerar falatório, a pureza dela seria colocada em dúvida por muitas pessoas, diriam que ela fora infiel, ou talvez violentada por algum soldado romano dos mais possessos – eram conhecidas as histórias das jovens surpreendidas por eles. Não, aquilo José não poderia admitir. Mas então, o que fazer? 

A resposta veio quando ele olhou para suas mãos calejadas e a oficina em torno, construída com sacrifício ao longo de anos, ferramenta por ferramenta. Estava claro: ele abriria mão de tudo naquela madrugada mesmo, em segredo. Fugiria para longe, talvez para o Egito, carregando consigo as roupas do corpo e a vergonha de abandonar uma jovem grávida às vésperas do casamento. Maria contaria com a piedade dos seus, e ele, apenas ele seria alvo do desprezo público. Mas não se importava. Quando pensava nela, não conseguia admitir que a pobre fosse alvo da menor dúvida que fosse sobre sua honra. Era preciso protegê-la, e, claro, cumprir o que julgava ser os desígnios divinos.  

Já ia levantar para arrumar suas coisas, só o estritamente necessário para a viagem, quando um vento soprou sobre a oficina e os candeeiros se apagaram. José deu um suspiro e o cansaço o venceu. Adormeceu na posição em que estava, sentado com um cotovelo sobre a mesa e a mão a apoiar a cabeça, na total escuridão.

Não descansou. Dali a pouco sentiu que despertava, um cheiro de lírios e rosas tomava o ambiente. Olhou em redor e só viu o escuro, mas de repente uma figura de porte magnífico, toda envolta em luz, fez-se presente diante dele, e seu coração disparou. Na hora soube que era um Anjo de Deus, e curvou-se diante dele.  O Anjo sentou ao seu lado e apenas disse:

José, filho de Davi, não tenhas medo de receber em tua casa Maria, tua esposa, porque o que nela foi concebido é obra do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus, porque Ele salvará o seu povo dos seus pecados.

E, como surgira, desapareceu. Naquele momento, antes do canto dos galos, as primeiras luzes do dia já se insinuavam tímidas no céu e José abriu os olhos. Estava na mesma posição em que adormecera e sentia o pescoço, as costas e as juntas doloridos. Seu coração, no entanto, estava feliz. Ele não tinha mais dúvidas, receios ou desconfianças. Fez uma oração em ação de graças, e também pedindo ao Senhor para que sempre o amparasse na tarefa para a qual fora escolhido. Se era de Sua vontade, que assim fosse. Saiu então da oficina para ver o dia que já começava lá fora, com os primeiros animais e trabalhadores em movimento. Respirou fundo o ar da manhã enquanto escutava o canto dos pássaros. Estava resolvido: seria um fiel servo da vontade do Pai, o casto marido da mulher mais bonita do mundo, e o pai do Filho de Deus.


2 COMENTÁRIOS

  1. Leônidas, parabéns por esse conto que contextualiza fato bíblico essencial na história da salvação. São José, rogai por nós.

Deixe um comentário para Leônidas Pellegrini Cancelar resposta

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor

PHP Code Snippets Powered By : XYZScripts.com