Baseado em Mt 1, 18 – 24
Era tarde da noite, mas José não havia ido para casa. Ficou na oficina, sentado à sua mesa de trabalho, a matutar e digerir o que acontecera mais cedo. Apesar do cansaço do dia de trabalhos tão pesados, não conseguiria mesmo conciliar o sono. Naquela tarde Maria o havia chamado para uma “conversa de extrema importância”, e ele achara que seria qualquer coisa relativa às núpcias que se dariam dali a alguns dias. E então veio a revelação: ela estava grávida, e afirmava que a criança em seu ventre havia sido “anunciada por um Anjo”, era “obra do Espírito Santo” e “o Filho de Deus”.
Ele, que já era de costume calado, nada respondeu. Olhou a jovem noiva, que o encarava com humildade, e retirou-se. Voltou para a oficina, onde se concentrou no trabalho e tentou não pensar no assunto até que terminasse a porta em que estava trabalhando. Sem sucesso. A cada movimento de martelo, formão ou lixa, a cada novo detalhe em que se esmerava, vinha-lhe à mente o rosto de Maria e suas palavras, e se angustiava. Em seu coração, ele não duvidava dela, senão de si. Em sua mente, martelava incessantemente a frase: “Por que eu, Senhor?”. Não conseguia conciliar a ideia de ser ele o pai e guardião do Filho Encarnado de Deus e Salvador do Mundo, assim, não podia aceitar ser o marido de Sua mãe neste mundo. Afinal, que dignidade tinha ele para ser merecedor de tal papel? E se angustiava mais ainda por, mesmo que sem querer, duvidar da vontade e dos desígnios do Pai. Mas, não. Deus não se enganava, nunca. Estaria ele, então, sendo posto à prova? O que fazer neste caso?
Fosse o que fosse, ele precisava tomar alguma resolução: aceitar que os planos de Deus eram aqueles mesmos e se casar com Maria, ou que, pelo contrário, era de Sua vontade que ele, José, se retirasse para que o Salvador pudesse resplandecer? Afinal, Ele não poderia vir ao mundo como o filho de um simples carpinteiro de Nazaré, e o mais indigno dos filhos de Deus. Impossível. O Altíssimo deveria ter Seus planos, e José confiava neles. Seria seu papel, portanto retirar-se. No entanto, havia ainda um enorme problema: o que dizer a Maria? Como proceder? Um rompimento súbito poderia gerar falatório, a pureza dela seria colocada em dúvida por muitas pessoas, diriam que ela fora infiel, ou talvez violentada por algum soldado romano dos mais possessos – eram conhecidas as histórias das jovens surpreendidas por eles. Não, aquilo José não poderia admitir. Mas então, o que fazer?
A resposta veio quando ele olhou para suas mãos calejadas e a oficina em torno, construída com sacrifício ao longo de anos, ferramenta por ferramenta. Estava claro: ele abriria mão de tudo naquela madrugada mesmo, em segredo. Fugiria para longe, talvez para o Egito, carregando consigo as roupas do corpo e a vergonha de abandonar uma jovem grávida às vésperas do casamento. Maria contaria com a piedade dos seus, e ele, apenas ele seria alvo do desprezo público. Mas não se importava. Quando pensava nela, não conseguia admitir que a pobre fosse alvo da menor dúvida que fosse sobre sua honra. Era preciso protegê-la, e, claro, cumprir o que julgava ser os desígnios divinos.
Já ia levantar para arrumar suas coisas, só o estritamente necessário para a viagem, quando um vento soprou sobre a oficina e os candeeiros se apagaram. José deu um suspiro e o cansaço o venceu. Adormeceu na posição em que estava, sentado com um cotovelo sobre a mesa e a mão a apoiar a cabeça, na total escuridão.
Não descansou. Dali a pouco sentiu que despertava, um cheiro de lírios e rosas tomava o ambiente. Olhou em redor e só viu o escuro, mas de repente uma figura de porte magnífico, toda envolta em luz, fez-se presente diante dele, e seu coração disparou. Na hora soube que era um Anjo de Deus, e curvou-se diante dele. O Anjo sentou ao seu lado e apenas disse:
– José, filho de Davi, não tenhas medo de receber em tua casa Maria, tua esposa, porque o que nela foi concebido é obra do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus, porque Ele salvará o seu povo dos seus pecados.
E, como surgira, desapareceu. Naquele momento, antes do canto dos galos, as primeiras luzes do dia já se insinuavam tímidas no céu e José abriu os olhos. Estava na mesma posição em que adormecera e sentia o pescoço, as costas e as juntas doloridos. Seu coração, no entanto, estava feliz. Ele não tinha mais dúvidas, receios ou desconfianças. Fez uma oração em ação de graças, e também pedindo ao Senhor para que sempre o amparasse na tarefa para a qual fora escolhido. Se era de Sua vontade, que assim fosse. Saiu então da oficina para ver o dia que já começava lá fora, com os primeiros animais e trabalhadores em movimento. Respirou fundo o ar da manhã enquanto escutava o canto dos pássaros. Estava resolvido: seria um fiel servo da vontade do Pai, o casto marido da mulher mais bonita do mundo, e o pai do Filho de Deus.
Leônidas, parabéns por esse conto que contextualiza fato bíblico essencial na história da salvação. São José, rogai por nós.
Obrigado, Antônio! 🙏