SANTO CONTO | Deus

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Baseado no poema homônimo de Casimiro de Abreu

Vivendo no litoral, em hipótese alguma o garoto podia tomar sol, então sua mãe o levava à praia no horário da primeira claridade do dia, quando os minutos eram contados até que precisasse cobri-lo e escondê-lo dos raios solares, ou quando chovia, e o pequeno podia aproveitar à vontade o passeio. Ele adorava o contato dos pés descalços na areia, amava o mar, e não se importava com a chuva. Na verdade, tratava-a com reverência, como uma fada madrinha que lhe possibilitava desfrutar soberano de todo um mundo de água, sal e silício. Tudo o que desabava do céu – e quanto mais, melhor – era recebido com amizade, afeição, e fazia parte da diversão, da aventura.

Aquela manhã era uma dessas: céu cor de chumbo, chuva grossa e insistente, duradoura, sem hora para acabar. E a praia, seu parque particular, seu reino. A mãe ali perto, sempre atenta e solícita para participar das brincadeiras se ele a chamasse. Naquele dia ele brincou sozinho, desafiando as ondas que chegavam ali na areia, investindo contra elas como se fossem inimigos, depois jogava a espuma branca para o alto. Quando cansou, sentou e ficou observando o mar um longo tempo, fixando-se ora na espuma que vinha lamber a areia, ora na imensidão de água que se estendia para o horizonte, o céu carregado, os raios que tanto o encantavam, lá em alto-mar. A mãe sentou-se ao seu lado, afagou-lhe os cachos molhados. Então, ele perguntou:

– Mãe! Tem coisa maior que o mar?

– Tem sim, filho…

Sem dar tempo de ela continuar, o pequeno disparou:

– E mais poderoso que o vento?

– Te…

– E mais bonito que a chuva? Que os raios? Tem?

– Tem…

– O que é, mãe? O que é? Me mostra?

– Mas vocês já conhece…

– Já???

A mãe sorriu enquanto ainda acarinhava os cachinhos, os dedos deslizando por entre os anéis. O menino insistia, inquieto, ansioso. O que era maior que o mar? Mais forte e poderoso que o vento? Mais bonito que a chuva e os raios? O quê? Então, ela tomou o olhou bem nos olhos, e falou com simplicidade:

– É Deus.


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