SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Juca Chaves e Charles Dickens

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

“It was the best of times, it was the worst of times, it was the age of wisdom, it was the age of foolishness, it was the epoch of belief, it was the epoch of incredulity, it was the season of Light, it was the season of Darkness, it was the spring of hope, it was the winter of despair, we had everything before us, we had nothing before us, we were all going direct to Heaven, we were all going direct the other way…” (DICKENS, Charles)


Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos… – em suma, tal período era tão dessemelhante ao presente que algumas de suas autoridades mais barulhentas insistiram o fosse acolhido, para o bem ou para o mal, apenas no grau superlativo de comparação.” (DICKENS, Charles. ‘Um Conto de Duas Cidades’) Esta semana falo de uma época assim. Por nenhum motivo especial que simplesmente enaltecer a memória de um grande brasileiro: o humorista Juca Chaves.


Terça-Feira, 17 de Setimbro de 524

[para saber mais sobre o calendário tupiniquim, clica aqui.]

O Brasil vivia na Era das Trevas. O Mal havia tomado controle desta outrora linda, livre, e feliz nação. Não se enxergava luz no horizonte. Aquela noite desenluarada parecia que jamais chegaria ao fim.

Nessa época, não se podia falar o que se bem entendesse. Era proibido principalmente criticar as autoridades e questionar o estado-de-coisas. Meios-de-comunicação que ousassem se opuser a isso eram censurados; se não, fechados. As pessoas deixavam de ter acesso a esses; a não ser, na clandestinidade. Era a lei da época – cumprida à risca; absolutamente terrível.

Assim, eram aqueles tempos. Graças, isso tudo ficou para trás. Agora, e por “agora” entenda-se “há décadas”, temos instituições sólidas a impedir que algo assim se repita. O Brasil voltou a ser lindo, livre, e feliz novamente.

As histórias que quero compartir hoje, infeliz ou felizmente, não são recentes. Passaram-se durante a dita Longa Escuridão. Resolvo contá-las aqui para que tenhamos noção daquilo que nossas autoridades trabalham tanto para evitar que ocorra novamente.

O protagonista de ambas é Jurandyr Czaczkes Chaves (1938-2023), o Juca Chaves. Trata-se de alguém que sempre entendera inexistir breu capaz de acabar com a luminescência de uma boa gargalhada.


A primeira história, como é sobre roubo, resolvi roubá-la na cara-dura do Roberto Ianelli Kirsten [não sei se é vivo ainda], que a conta em seu blogue “Arquivos de um Repórter”. O relato foi-lhe narrado pelo próprio Juca e teria ocorrido mais ou menos assim:

Devido à falta de teatros no Brasil há época, Juca montara um circo [Sdruws] no Rio de Janeiro para apresentar seus espetáculos. A prefeitura lhe cedeu um terreno, o qual – sendo no Rio – ficava ao lado de uma grande perigosa favela.

Ainda assim, Juca fez na estréia o que fazia habitualmente: convidar, além de amigos, a nata da sociedade; os “formadores de opinião”. Para essa inauguração, enviara convites para renomados políticos e jornalistas, e para as maiores socialaites dos altos círculos cariocas.

No entanto, um dos seus amigos mais íntimos ficou preocupado:
Pô, Juquinha, vejo que você pirou de vez. Além de ter montado um circo dentro de uma favela perigosa, ainda, no espetáculo de estréia, convida a nata da sociedade!? Você já parou para pensar no negócio do roubo? Imagina a repercussão dessa insanidade!

Juca, obviamente, levou em consideração o que disse o amigo. Já no dia seguinte, resolveu se reunir com os líderes da favela no próprio circo para lhes falar sobre o problema com toda franqueza. Sem rodeios, deu um soco na mesa e foi direto ao assunto:
Vim aqui para saber como vai ficar o negócio do roubo?

A maior autoridade da favela era uma mulher baixinha e morena. Ela não se intimidou e foi logo respondendo com mais firmeza ainda:
Olha aqui, seu Juca. Nós entendemos a sua preocupação e lhe agradecemos pela sinceridade. Da nossa parte, o senhor pode ficar tranqüilo. A nossa comunidade já se garantiu e pediu proteção à polícia!


Como se percebe, Juca Chaves não tinha papas na língua. Ele passou aqueles anos infindos tendo problemas com autoridades. Chegou ao ponto de isso ter sido incorporado aos seus espetáculos. Esse é o mote de nossa segunda história:

Dizem que as pessoas já compravam ingresso e iam aos xous do Juca Chaves querendo vê-lo ser preso – e ele sempre era preso. Isso se seguiu até que as autoridades sentiram o desgaste com o ato:
Juca, não dá mais. Você fala o que não deve. Aí, nós o prendemos, o autuamos, e o soltamos. Você volta a receber autorização para o espetáculo. Aí, fala o que não deve. Começa tudo de novo. Já está ficando chato para a gente. Gostamos de você, mas estamos perdendo autoridade. Isso não pode.

Um calor abateu-se sobre o Juca Chaves. O presidente do Brasil naquele então era o general Emílio Garrastazu (1905-1985), gaúcho e basco. Trata-se de combinação que, se não fere a Convenção de Genebra, o foi por lapso; tenebrosíssima. O contexto todo da situação era delicado. O problema era, de fato, sério.

Resolveu ele então prometer se comportar. Fez um acordo de que não mais provocaria sua prisão; e, como que para assegurar que o Juca cumpriria a promessa, no retorno do humorista aos palcos, as autoridades estavam acompanhadas de seus respectivos cônjuges na primeira fila do teatro.

Com a casa cheia, Juca faz um espetáculo impecável, mas conforme o prometido: engraçado e do agrado dos censores. O restante da platéia, no entanto, não estava plenamente satisfeito. Esses estavam ansiosos à espera do “Grand Finale” que tinham ido especialmente assistir.

Pressentindo o desapontamento, na despedida, Juca Chaves não se agüentou:
Já agradecendo a presença de todos e antes de ir embora, gostaria de lhes fazer uma pergunta: sabem como identificar um corrupto?

Fez-se um silêncio daqueles ensurdecedores. Os rostos das autoridades fecharam-se; qualquer sorriso virara mera lembrança. A tensão pairava no ar. Era a hora… Juca, então, arrematou:
Pega-se da ponta dos pés à cabeça e MÉDICI!

E lá se foi o Juca embora preso mais uma vez para delírio dos presentes…

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