JOAO EIGEN丨A verdadeira origem do termo “totalitário”

Joao Eigen
Joao Eigenhttp://www.youtube.com/@joaoeigen
Escritor, Mestre em ciência política (UFSC), advogado e youtuber. Autor de "O fascismo como ideologia e a revolta totalitária", da Appris editora.

O termo “totalitarismo” e o seu adjetivo, “totalitário”, tornaram-se muito populares a partir do século XX devido às trágicas experiências comunistas, a fascista e a nacional socialista. A ciência política já se debruçou e discutiu muito sobre o significado desse termo, sua aplicação e inconsistências, notabilizando-se os trabalhos de pensadores como A. James Gregor, Hannah Arendt e Zbigniew Brzezinski.

Notavelmente, ao falar de “totalitário”, quer-se dizer um Estado que exerce uma influência totalizante sobre toda a sociedade civil e a esfera privada do cidadão. Ou seja, um Estado cuja autoridade não está mais limitada pelos antigos “limites burgueses” como os costumes e a constituição, mas que consegue expandir sua jurisdição para qualquer área desejada. Não é por acaso que as ideologias totalitárias acabam por justificar um Estado que se coloca como uma dispensação divina na história, capaz de criar uma sociedade inédita que imita as promessas do paraíso religioso. A expectativa é total, assim como sua consequente frustração e destruição.

Com a ascensão de Mussolini ao posto de Primeiro-Ministro, Amendola entrou para a oposição e se tornou um dos mais vocais antifascistas da época. Foi Amendola o primeiro a utilizar o termo “totalitário” como um adjetivo pejorativo, e o fez num contexto eleitoral denunciando manobras escusas do movimento fascista:

Primeiramente, Amendola utiliza o termo em relação às eleições. Em um artigo no “Mondo” de 12 de maio de 1923, ele definia “sistema totalitário” (entre aspas) a tendência fascista de impedir a formação de uma lista de oposição para as eleições administrativas, a fim de poder conquistar tanto a maioria quanto a minoria. No final de junho, a expressão, desta vez sem aspas, retornava em um artigo dedicado à reforma eleitoral”.[1]

A partir daí, o adjetivo “totalitário” tornou-se central na análise de Amendola sobre o fenômeno fascista. Em um artigo no “Mondo” de 2 de novembro de 1923, dentro de um balanço realizado um ano após a ascensão do governo de Mussolini, ele escreveu: “a característica mais marcante do movimento fascista permanecerá, para aqueles que o estudarem no futuro, o espírito ‘totalitário’”. Em 15 de junho de 1925, em seu último discurso público, ele falou sobre o “espírito de intolerância totalitária” e a “vontade ansiosa totalitária” como características do fascismo. O fascismo representava, escreveu pouco depois, a “reação totalitária ao liberalismo e à democracia”.[2]

O termo servia, portanto, a Amendola para definir a intransigente aspiração ao domínio absoluto que caracterizava o partido de Mussolini. Mais tarde, assumiria — seja dito incidentalmente — uma diferente acepção quando seria utilizado principalmente para definir, de forma comparativa, o regime de Hitler e o de Stalin, e suas políticas de extermínio. Ou seja, o termo “totalitário” surgiu da preocupação de um jornalista com as atitudes antidemocráticas e aspirações de poder do movimento fascista de Mussolini num contexto de luta parlamentar da metade dos anos 20.

No entanto, pouco depois, o próprio Amendola começou a utilizar o termo “totalitário” para significar a característica do expansionismo estatal desenfreado do fascismo e, de quebra, ainda incluiu o jacobinismo e o marxismo na mesma categoria.

O fascismo, apesar de seu caráter reacionário, ainda assim obedece ao dogma, surgido com o jacobinismo, do Estado-Leviatã, no qual as vidas individuais são momentos subordinados e negligenciáveis. O terrível falanstério, que constituiu o ideal seguido tanto pela Prússia imperial quanto pelo socialismo de Marx, tentou encarnar-se mais uma vez, tanto no bolchevismo quanto no fascismo. O fascismo representa, sobretudo, a exageração paroxística e monomaníaca da interferência do poder executivo em toda a vida estatal e social; a inversão acrobática das relações normais entre Estado e Sociedade, segundo a qual a Sociedade existe para o Estado, e o Estado para o Governo e o governo para o partido; em uma palavra, o regime do “Comissário” instaurado em todos os campos da vida e substituído por todas as leis da vida”.[3]

O terreno, portanto, estava preparado para a circulação e aplicação a quaisquer outros regimes cujas aspirações de totalização do poder do Estado sobre a sociedade fossem perceptíveis. Mas há uma reviravolta interessante nessa aplicação: os fascistas, ao invés de se ofenderem com o novo rótulo, prontamente o apropriaram para seus propósitos. Em suma, passaram a se orgulhar de serem totalitários e a se apropriar do termo. Giovanni Gentile, o “filósofo do fascismo”, escrevendo a entrada “fascismo” na prestigiosa Enciclopédia Italiana — que mais tarde seria lançado como a famosa Dottrina del Fascismo –, afirmou que “… para o fascista, tudo está no Estado e nada de humano e espiritual existe, e muito menos tem valor fora do Estado. Nesse sentido, o fascismo é totalitário”.[4] Gentile sabia da origem do termo e, ao aplicá-lo na definição do Estado fascista no opúsculo oficial do próprio regime, estava menosprezando Amendola com uma ironia final.

Amendola faleceu de câncer em 1926. Apesar do sucesso do termo cunhado, Amendola não viveu para ver o regime fascista tentar se tornar totalitário nem a ascensão dos regimes verdadeiramente totalitários: União Soviética stalinista e Alemanha nacional socialista.

REFERÊNCIAS:

[1] BELARDELLI, Giovanni. Giovanni Amendola, la crisi della democrazia in Italia e la natura del fascismo em Il Pensiero Politico, rivista di storia politiche e sociali. Anno XLVIII, n. 1–2, 2015, p. 263.

[2] Ibid., p. 264.

[3] AMENDOLA, Giovanni. In difesa dell’Italia liberale cit., p. 132.

[4] GENTILE, Giovanni. Enciclopedia Italiana, voce “Fascismo (dottrina del)”, Istituto dell’Enciclopedia Italiana, Roma, 1932, vol. XIV, pp. 835–840.

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