A Imperatriz fora cognominada “A mãe dos brasileiros”
Primeiro as discussões nos salões, nos palacetes dos barões, nas saletas privadas dos cafés da Côrte; depois, o teor dos diálogos deixa os bastidores da política a fim de ocupar as redações dos jornais: falava-se da mudança do Regime. A Igreja já não tinha a força de outrora, o Governo — e mesmo o Imperador em pessoa — estava impregnado pelas novas ideias, pelas ideas iluministas que, há um século na França, fizeram a Revolução. Não havia salvação.
Cai a Coroa. A Família Imperial, ela mesma “bestializada“, deixa o país às pressas, expulsa pelos militares revolucionários. Não tiveram a oportunidade da despedida, saíram com a roupa do corpo mais algumas mudas em poucas malas — o que foi possível carregar. Ainda assim, não se sabe como exatamente, dois anos depois, quando da morte do Imperador, um travesseiro preenchido com a terra de Pindorama fora encontrado entre os poucos pertences do velho Monarca. “É terra de meu país; desejo que seja posta no meu caixão se eu morrer fora de minha pátria”, era o que dizia um bilhete escrito por D. Pedro.
Todos os membros da Família Imperial sofreram com a ruptura da tradição político-cultural que, doravante — e a História é testemunha inconteste –, conduziria o Brasil pelos descaminhos da instabilidade política, econômica e social. A primeira vítima fatal da traição fora a própria “Mãe dos Brasileiros”, a Imperatriz Tereza Cristina. Hoje, depois dos novos passos da Revolução dados nos idos de 1960 e do enxotamento dos poucos sensatos das universidades, redações de jornais e da mídia geral, é praticamente impossível imaginar a fidelidade de um casamento de 46 anos. Aquela Princesa napolitana prometida em casamento ao jovem Imperador do Brasil — então com 17 anos — dedicou-se integralmente em servi-lo e em servir à nação que a adotara como mãe.
“(…) Farei todo o possível para viver de tal maneira que nada leve ao engano de meu caráter. Minha ambição será parecida à de Maria Leopoldina d’Áustria, mãe de meu marido, e serei brasileira de coração em tudo que fizer”.
D. Tereza Cristina quando de seu casamento com D. Pedro II
Passa-se o tempo, mudam-se os costumes: hoje, os relatos da fidelidade da Imperatriz ao Imperador e ao Brasil, sua disposição em servir à família, em cuidar da educação das filhas — as Princesas Isabel e Leopoldina — soa tão estranho aos ouvidos contemporâneos quanto a dieta de uma bactéria do Cretáceo encontrada no fragmento de uma rocha oriunda de Marte. Tereza Cristina encontrou a morte na tarde de 28 de dezembro de 1889.
“Não sei como escrevo. Morreu haverá ½ hora a imperatriz, essa santa. […] Ninguém imagina a minha aflição. Somente choro a felicidade perdida de 46 anos. […] Não sei o que farei agora. Só o estudo me consolará de minha dor. Custa-me crer. Sempre desejei precedê-la na morte. Abriu-se na minha [vida] um vácuo que não sei como preencher. […] Nada pode exprimir quanto perdi… Que noite vou passar! Dizem que o tempo tudo desfaz! Mas poderei viver tempo igual ao da minha felicidade?”.
D. Pedro II em seu diário, 28 de dezembro de 1889
O historiador Paulo Rezzutti, comentando os registros sobre a morte da Imperatriz, reproduz: “Após o almoço, a Imperatriz, que não passava bem de saúde, piorara. A baronesa de Japurá, sua dama de companhia, ouviu da imperatriz: ‘Maria Isabel, não morro de moléstia, morro de dor e de desgosto’. A notícia do banimento oficial da Família Imperial do Brasil, recebida no dia 24, piorara o seu estado. A baronesa pediu um padre. O Dr. Mota Maia correu escada abaixo até a rua onde pediu ao policial de guarda na porta do hotel que conseguisse o primeiro religioso que achasse. O ex-vigário geral em Braga, padre Manuel da Conceição da Costa e Silva, que ia passando, chegou quando D. Teresa Cristina morria. Suas últimas palavras foram recolhidas pela baronesa: ‘Sinto a ausência de minha filha e de meus netos. Não a posso abraçar pela última vez. Brasil, terra linda… Não posso lá voltar…’.
“D. Pedro havia saído do hotel para andar pelo Porto deixando a mulher doente no quarto. Perdido em seus próprios pensamentos, o Imperador não deve ter imaginado que a situação da esposa fosse tão grave a ponto de achá-la morta ao retornar. Ainda em seu diário, registrou: ‘Infelizmente pelo seu estado antes da síncope eu saíra. Deus me perdoe, assim como o Padre a quem primeiro me confessar'”.
Com informações de Paulo Rezzutti e dos livros Schwarcz, Lilia Moritz, As barbas do Imperador. D. Pedro II, um Monarca nos trópicos, Cia das Letras Editora, 2ª edição, São Paulo, SP, 2021; e Carvalho, José Murilo de, Os bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi, Cia das Letras Editora, 4ª edição, São Paulo, SP, 2019.
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