A editora Avis Rara lançou recentemente uma das melhores obras sobre a cultura woke destes últimos anos: Corrupção da linguagem, corrupção do caráter: como o ativismo woke está destruindo o Ocidente, escrito a quatro mãos pelas professoras e pesquisadoras Nine Borges e Patrícia Silva.
Nesta obra, as autoras expõem como a noção fabricada de empatia e de justiça cede lugar ao assalto à individualidade e aos valores democráticos, através da prática de diferentes formas de corrupção, como a intervenção linguística via criação e redefinição de vocábulos, o controle do que pode ser pronunciado ou pensado, ou mesmo com o desenvolvimento de ideias pseudocientíficas para elevar o status coletivo de opressão de certos grupos, num evidente ataque à lógica orquestrado por grupos identitários, sob a égide de “diversidade” e da “inclusão”.
Leia entrevista a seguir e saiba mais sobre o processo de escrita do livro e pontos fundamentais de seu conteúdo.
Revista Esmeril: Qual foi a motivação para escreverem o livro de vocês, e como foi o processo da escrita a quatro mãos? Houve uma divisão das pautas?
Nine: Acho que o desejo de escrever sobre o assunto nasceu de uma demanda dos nossos próprios seguidores. Sempre que eu mencionava certos termos, eu recebia muitas perguntas. “O que é woke?”. Foi um desejo de conversar de forma simples e sem academicismo sobre assuntos que são muito reais para nós. Como as pessoas podem combater ideologias perversas se sequer são capazes de defini-las? Acho que o livro ajuda as pessoas a entenderem as suas próprias experiências, e as equipa com argumentos maduros sobre diferentes assuntos.
A experiência de escrita foi facílima, orgânica e complementar. Patrícia estuda há anos sobre temas que eu não domino profundamente, como o movimento antirracista; por outro lado, há temas com os quais eu me alinho mais, como ideologia de gênero. Embora Patrícia tenha assumido liderança sobre alguns temas e eu sobre outros, não houve separação total de tópicos, fomos escrevendo, encaixando trechos, complementando sentenças etc.
Patrícia: Nós temos páginas no Instagram que, somadas, chegam a quase 300 mil seguidores. Recebemos muito hate em razão das nossas posições e notamos um comportamento comum dos haters: há um padrão que passamos a entender como ativista woke. Então, achamos conveniente escrever sobre o tema.
Revista Esmeril: Vocês abordam quatro tipos de corrupção em seu livro (da democracia, da linguagem, da ciência e do caráter). Por que a corrupção da linguagem e a do caráter ganham destaque no título?
Nine: Que pergunta interessante. Creio que essas duas formas de corrupção se comunicam mais com diferentes grupos sociais, pois elas fazem parte das experiências cotidianas da maioria das pessoas. A corrupção da ciência, embora faça parte do quadro geral, dialoga menos com alguém que nunca pisou em uma universidade. Por outro lado, todo mundo já se deparou com a tentativa de manipular a linguagem com palavras como “todes” sendo introduzidas em um e-mail ou descritas na legenda de uma foto casual no Instagram. Por exemplo: quantas pessoas, hoje em dia, já não foram coagidas a mentir para serem aprovadas socialmente, ou forçadas a aceitar políticas woke no escritório no qual trabalham apenas para não perderem o emprego?
Patrícia: Porque é através da linguagem que se inicia a corrupção do pensamento. Qualquer professor de língua portuguesa ou filosofia instruirá seus estudantes a buscarem o domínio da linguagem como pré-requisito para desenvolvimento de pensamento sobre tópicos diversos. Quando a linguagem está corrompida, o pensamento também fica, por consequência. Daí, o caráter, que já não consegue se comprometer com a verdade, e sim com a ideologia que tornou a linguagem corrompida, também sofre.
Revista Esmeril: Da mesma forma, entre os movimentos sociais que vocês elencam entre os que estão entre os motores da cultura woke (feminismo, movimento negro, transativismo e veganismo), o transativismo parece ganhar um pouco mais de destaque. Há uma razão para isso?
Nine: Em cada um desses movimentos, o lobby é fortíssimo, então, dinheiro não pode ser o único elemento que impulsiona e populariza o transativismo. Creio que eles foram mais bem-sucedidos com sua estratégia de recrutamento. A ideologia de gênero foi construída a partir do argumento de “direitos humanos”, e considerando que nenhum ser humano com decência moral deseja que outro ser humano seja destituído de direitos humanos, é fácil ver como essa ideologia possa ter ganhado tantos adeptos, ou para usar a linguagem dos transativistas, “aliados”. A comoção do público geral em torno dos direitos humanos foi absolutamente central para o avanço e sucesso da agenda.
Patrícia: Sim. O transativismo está modelando políticas públicas que atingem todos os grupos sociais e raciais. Há quem diga que o transativismo é a supremacia do século XXI (eles dizem que é a supremacia branca); reflexões podem ser feitas a partir dessa posição, mas não é possível negar que há um ponto importante.
Revista Esmeril: Vocês acreditam que a falta de lógica e o duplipensar do wokeísmo chega mesmo a ser uma vantagem paraseus adeptos e defensores? Por quê?
Nine: Depende. Pode ser uma vantagem, pois ao se distanciar do pensamento lógico e da razão, comunica-se bem através da linguagem emocional, o que, convenhamos, parece ser uma linguagem mais fácil para a maioria das pessoas. Dizer que alguma ideia deve ser adotada apenas porque é um ato de bondade trará adeptos, a despeito do quão ilógico ou contraditório possa parecer. Por outro lado, pode ser também seu ponto mais fraco, pois expõe a fragilidade dos argumentos desses grupos, mas acrescento, ainda, que exterioriza algo muito pior: o autoritarismo daqueles que, na ausência de argumentos sólidos, tentam impor pela chantagem ou intimidação, seus sistemas de valores. Diante de problemas básicos de lógica, o debate rapidamente escala para manipulação emocional ou agressividade, e é nesse momento que eles revelam quem realmente são.
Patrícia: Sim. Se não há lógica ou sequer definição de conceitos que eles mesmos criaram, torna-se difícil debater. Como refutar o que tem conceituação volúvel? Então, o duplipensar é uma grande vantagem do wokeísmo.
Revista Esmeril: O que esperar do wokeísmo nos próximos anos?
Nine: O wokeísmo contaminou todas as esferas sociais. Os mundos acadêmico, corporativo, médico, jurídico, legislativo, do entretenimento, da literatura. Não vai melhorar, a menos que aqueles que se opõem enviem uma mensagem clara, e cada esfera precisa de uma estratégia diferente. Por exemplo, Conselhos de Psicologia precisam ser devidamente desafiados e expostos. Novas organizações devem surgir com o intuito de aproximar os dissidentes, e de produzir um novo corpo de estudos que exponham a vulnerabilidade ideológica dessas instituições. As pessoas ficariam surpresas em ver a quantidade de pessoas que discorda de práticas consideradas woke, apenas se elas tiverem mais chances de conversar livremente sem medo de serem punidas ou consideradas más pessoas.
Patrícia: Infelizmente, eu tenho pessimismo antropológico aliado à minha visão cristã de Queda, o que não me permite visualizar nenhum cenário de melhora nos próximos anos. O que estamos vendo na Europa e nos Estados Unidos ainda não chegou no Brasil. Mas chegará.
Revista Esmeril: Vocês têm planos para a publicação de mais obras envolvendo a cultura woke? Quais trabalhos seriam?
Nine: Sim, estou neste momento escrevendo meu novo livro com a Avis Rara, com previsão de lançamento para março/abril do ano que vem. Não posso dar muitos detalhes, mas pretendo discutir como ideologias claramente carentes de dados se tornam tão atraentes.
Patrícia: Propriamente sobre a cultura woke, não. No momento, eu estou envolvida em estudo sobre formação da identidade nacional brasileira. Penso que a recuperação da identidade brasileira, aquela que envolve 200 milhões de habitantes, pode ser um mecanismo de romper o arquipélago das ilhas de identidades extremamente específicas que mais dividem do que unem.