Não direi que “qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência”, pois é desnecessário. Trago hoje uma história surrealista, onírica e impossível.
Seu protagonista, Orlando Penúria, era um professor universitário charmoso e, acima de tudo, progressista: hétero, monogâmico, casado há duas décadas, pai de um menino e de uma menina, com uma renda anual beirando um milhão de reais, e que, por acaso, ocupava o posto-mor do Ministério do Dindin naqueles anos.
Não porque a economia do país estivesse esfarelando como uma paçoca vencida, mas por uma espécie de dever ordeiro, Orlando Penúria, numa bela manhã de verão, ao lançar seu olhar para o fundo do poço do Palácio do Governo, deu vazão à robusta ideia que o assaltou:
— Achado não é roubado, quem perdeu foi relaxado!
Depois disso, só se ouviu o flap-flap de suas calças de linho enquanto ele voava pelas escadas até sua sala. Ao encontrar a assessora, solicitou com urgência:
— Nataxa, prepare uma portaria de recolhimento semestral das moedas do fundo do poço do Palácio para os cofres do governo.
O poço era famoso. Há décadas, os passantes jogavam ali suas moedinhas, fazendo pedidos, à moda das fontes dos desejos — um escandaloso desperdício, para o pragmático Penúria.
Três dias depois, já com regulamentação e cobertura do Jornal Sensacional, o próprio Orlando jogou a rede no poço para fazer o recolhimento do dinheiro. Assim que as moedas saíam, eram contabilizadas pelos assessores. No fim do trabalho, haviam sido resgatados modestos duzentos e cinquenta e quatro reais e oitenta e três centavos.
Mas, quando todos foram embora do local, houve um leve tremor na água, uma súbita lufada de ar… E, na manhã seguinte, o caos começou.
No meio da pista de alta velocidade da Avenida Ipiranga, a BMW novinha que Rico di Ramalho havia conquistado lançando o curso de marketing digital “Você, milionário em um ano” transformou-se em uma bicicleta. Desesperado, ele se atirou para o acostamento, salvando a própria vida — e atropelando uma capivara.
No aeroporto, o marido que estava ao lado de Cláudia Valentina e a aliança em seu dedo sumiram subitamente. Atordoada, ela tentou ligar para a polícia, mas, ao abrir o Instagram, soube que ele estava casado com a antiga noiva havia dois anos.
As roupas de academia de Juju Bombom começaram a se rasgar sob a pressão de seu corpo, que, em apenas dez segundos, recuperou os cinquenta quilos perdidos ao longo da última década. Com o rasg-rasg do tecido se desfazendo, ela ficou seminua, acocada, enquanto segurava o haltere acima da cabeça.
E vocês não fazem ideia do que foi o show de Paula Virttual no momento em que ela dançava e cantava o hit do momento: todos os procedimentos estéticos desapareceram, e o público se viu diante de um autêntico cavernícola, barbudo e cabeludo.
O fiasco dos fiascos, contudo, foi o do deputado Mario Amarildo. Após meses de preparação para seu discurso naquela votação histórica, ele abriu a boca e… tudo o que saiu foi um bocejo. Nenhuma palavra. A brilhante oratória simplesmente sumiu.
A maré de eventos inexplicáveis tomou conta do país: Jorjão voltou a beber, Celinha voltou a roncar, Leo Lucas não passou em Farmácia, o Flamengo não foi para a final…
O mais surpreendente, no entanto, foi o que aconteceu com Orlando Penúria. De um dia para o outro, ele acabou num subsolo apertado, vestindo um terno barato e carregando uma pilha de boletos na axila. Nunca fora ministro. Nunca fora professor universitário. Nem sequer havia se casado. Foi então que descobriu que sua vida inteira não passava de uma sucessão de favores garantidos por sua mãe, Doriana Penúria, junto ao poço do Palácio do Governo.
Então ele tomou coragem: vendeu seus sapatos, mendigou na praça e até meteu a mão na caixinha de contribuições da igreja. Agora, seus bolsos pesavam com trezentos reais em moedas. Correndo e segurando as calças para que não caíssem com o peso dos bolsos, Orlando voltou ao poço. Tremendo, jogou tudo lá dentro, aos punhados, enquanto sussurrava:
— Por favor, que tudo volte a ser como antes.
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