O assunto mundial do momento são as tarifas americanas. Em maior ou menor grau, elas atingiram indiscriminadamente todos os países do mundo. Isso causou um furor nas Bolsas de Valores, derrubando ações e colocando vários analistas econômicos perplexos. Muitas críticas recaíram, e ainda recaem, sobre a administração Trump, principalmente no que estes analistas acusam como “amadorismo” e “improvisação”. Porém, esse movimento americano visa isolar a China do resto do mundo.
Ficou óbvio, não apenas pelas tarifas, mas também por outras medidas adotadas, que Trump reconhece na China seu maior adversário. Trump suspendeu a aplicação das tarifas a todos os países por noventa dias. A única exceção foi justamente a China – que ainda teve suas tarifas aumentadas para inacreditáveis 125 % (cento e vinte e cinco por cento) após o Partido Comunista Chinês retaliar os Estados Unidos.
Em maior ou menor grau, as tarifas atingiram indiscriminadamente todos os países do mundo. Isso causou um furor nas Bolsas de Valores, derrubando ações e colocando vários analistas econômicos, sejam liberais ou pragmáticos, perplexos. Contudo, tal perplexidade é fruto de uma abordagem rasa. Para entender melhor essas tarifas, não basta analisar apenas a questão econômica. Prestemos atenção no que diz Stephen Miller, importante conselheiro econômico de Donald Trump.
No Guia do Usuário para Estruturar o Sistema de Comércio Global (2024), por exemplo, ele aponta que o comércio mundial não serve apenas para propósitos econômicos, mas também para fins de Segurança Nacional, entre outros. Como não se trata de um artigo de economia, não iremos entrar nos detalhes técnicos do documento. Para o fim proposto, esse serve para entendermos melhor o que busca o Governo dos Estados Unidos ao aplicar essas tarifas globais.
Ao fim da Segunda Guerra Mundial, os EUA eram uma potência industrial, com seu PIB sendo representado em 30% (trinta por cento) pela indústria. Isso permitiu que os americanos sustentassem a indústria da guerra, fator determinante para sua vitória. Hoje esses números são de 17,6% (dezessete vírgula seis por cento). É evidente que Trump deseja mudar esses números. Os motivos para isso são vários.
A eleição americana foi decidida a favor dos Republicanos pelos chamados “golas azuis” (blue collars); os trabalhadores de “chão de fábrica” que viram seus empregos na indústria sumirem em direção à China, principalmente. Trump prometeu em campanha que ele lutaria em favor dessa classe. Nas palavras dele “more Main Street, less Wall Street”, em uma alusão clara a favorecer o investimento na indústria – com criação de empregos – em detrimento dos interesses dos investidores da Bolsa de Valores. Para a manutenção da hegemonia eleitoral alcançada, isso precisa ser mais do que um discurso eleitoreiro. Trump age para cumprir essa promessa.
Além disso, voltar a ter indústrias na América significa uma preparação para uma eventual – e provável – guerra que se avizinha. A Segurança Nacional, tema caro aos americanos de todas as classes sociais, é um assunto que naturalmente preocupa o atual governo. Um exempl o recente decreto (“executive order”) incentivando a indústria naval americana. Apesar de ainda ter uma Marinha hegemônica mundialmente, em número de navios, os EUA foram ultrapassados pela China. Quem controla os mares, controla o mundo. Os americanos sabem disso e os chineses aprenderam com eles.
Após a Segunda Guerra Mundial, um dos maiores erros americanos, foi ter procurado incluir a China no comércio mundial. O fundamento era que o crescimento econômico, criaria uma classe média robusta na China, e essa classe média levaria o país a uma abertura política. Essa estratégia falhou. O Partido Comunista Chinês não só manteve-se no poder, mas agora está com dinheiro para expandir sua influência por todo o mundo. A presença chinesa em várias partes do mundo, com a chamada “Nova Rota da Seda”, mostra que seu poder e influência frutificaram. A África e a América Latina são um grande exemplo disso.
São portos, bases científicas, militares e centros de vigilância de comunicações, além de a China estar expandindo sua capacidade agrícola justamente naqueles países em que entrou primeiro como parceira comercial. Isso mostra a pretensão chinesa de tornar-se uma potência global capaz de rivalizar com os Estados Unidos. Para tanto, seduz seus parceiros pelo dinheiro abundante e, em seguida, toma para si o controle de tudo, inclusive da política interna e externa destes.
Mesmo assim, reiteradamente, os EUA – e o Ocidente capitalista – redobraram a aposta e insistiram em tratar a China como um parceiro comercial qualquer. Ela não é. A China tem práticas comerciais predatórias e usa seu poder para subjugar nações que dependem dela. Diante disso, agora há um governo nos Estados Unidos disposto a mudar de postura. Para isolar os chineses, os EUA abrem as portas para negociar separadamente com cada país, ou bloco; e são muitos que os estão procurando. Enquanto isso, seguem atacando seu maior adversário.
A imprevisibilidade de Trump coloca os americanos em vantagem nesse momento, mas nem tudo são flores nesse movimento ousado dos EUA. Uma mudança brusca no sistema mundial vigente não ocorrerá sem problemas ou sem reações. As consequências ainda são imprevisíveis e as cartas estão sendo colocadas na mesa. Agora a China tenta reverter esse movimento e isolar os EUA, trazendo para si países que, por diversas razões, ela acredita que podem fazer coro ao seu movimento de resistência.
Por seu lado, a China também vai enfrentar dificuldades no seu intento. Porém, veremos tudo na segunda parte deste artigo, na semana que vem.