O indiciamento recente pela Polícia Federal de dois deputados federais, ambos por falas na tribuna da Câmara dos Deputados, trouxe novamente à tona a discussão sobre o limite da Imunidade Parlamentar. Da tribuna, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, fez um discurso em defesa dos colegas. Foi aplaudido e elogiado pela oposição e pelas mídias conservadoras; também foi manchete na mídia tradicional.
O assunto segue em alta. Mas será que Lira realmente fez uma defesa da imunidade parlamentar ou a relativizou?
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A atual redação do artigo 53 da Constituição Federal de 1988 diz o seguinte:
Art. 53 – Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (grifos meus)
Contudo, o texto acima foi alterado pela Emenda Constitucional n.º 35 de 2001. Originalmente, lia-se assim no artigo 53 da CF/88:
Art. 53 – Os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos.
A alteração, apesar de mínima, foi necessária. Neste artigo, vamos entender o motivo da diferença.
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Em artigos passados, sempre deixei claro que a Constituição de 1988 tinha um contexto, e esse era o trauma dos vinte e um anos de Regime Militar. Toda a discussão da Constituinte foi no sentido de proteger o Parlamento e as pessoas de uma nova era autoritária. O artigo 53 foi um dos frutos diretos desse pensamento.
A mudança em 2001 também foi dentro desse mesmo espírito. À época, deputados e senadores concluíram que a redação dada ao artigo 53 original não tinha sido explícita o suficiente na defesa das suas prerrogativas.
Eles entenderam que o texto abria brecha para uma interpretação mais restritiva dessa imunidade, a qual queriam que fosse absoluta. Com a introdução de “civil e penalmente” e “quaisquer”, buscaram evitar interpretações contrárias ao caráter absoluto da imunidade parlamentar.
Dessa maneira, o entendimento sobre o escopo da imunidade parlamentar ficou consolidado, e o assunto tornou-se consenso. Ao menos, até a chegada dos estranhos dias atuais – dias de Supremo soberano sobre os outros Poderes da República; dias de buscas e apreensões em gabinetes de parlamentares; dias de indiciamentos por discursos e prisão por ofensas contra ministros…
Também são dias de Presidente da Câmara relativizando a imunidade parlamentar e sendo aplaudido e saudado por parlamentares, inclusive aqueles que estavam tendo suas imunidades desprezadas. Sim, foi isso que Lira fez.
Em seu aplaudido discurso, Lira afirmou, e reafirmou, que “é com grande preocupação que observamos recentes investidas da Polícia Federal para investigar parlamentares por discursos proferidos na tribuna”. Sim, ele disse e repetiu, várias vezes, “na tribuna”. Com isso, Lira abriu espaço para que a palavra dos parlamentares, em quaisquer (olha aí de novo) outros locais que não sejam a tribuna do Parlamento, possa ser considerada punível pela Polícia ou Judiciário.
O artigo 53 da Constituição de 1988 é um dos poucos que é terminativo. Essa relativização, pelo próprio Presidente da Câmara, deveria ser motivo de alarme. Até agora não entendi o motivo de tantos aplausos; de por que ele fez questão dessa delimitação.
Talvez eu saiba, e você, leitor atento, saiba também.
P.S.: O atual Ministro da Justiça, por acaso ex-ministro do STF, declarou que a imunidade parlamentar não protege contra crimes contra a honra. Talvez ele estivesse citando o artigo 32 da Emenda Constitucional de 1969, decretada durante o Regime Militar e não recepcionada pela atual Constituição. Mas um expoente da Justiça brasileira não cometeria uma gafe assim, não é?