Em dias onde a luta pela liberdade de expressão está em evidência, há necessidade de analisarmos o tema historicamente. A liberdade de expressão plena nunca existiu no Brasil republicano. Houve alguns poucos momentos de liberdade relativa. A liberdade de expressão nunca foi um direito real no Brasil, tanto legislativo como cultural.
No segundo Império, o Imperador Dom Pedro II fazia questão de total liberdade de imprensa e de expressão. Essa postura era estranha, inclusive, a monarquias europeias, que não entendiam como o Imperador mantinha a ordem e o respeito pela Coroa com tantas críticas, muitas delas bem ácidas, ao seu governo.
Mas, desde o golpe da República, a liberdade de expressão real acabou. Antes do Estado Novo, as Constituições garantiam a liberdade de expressão, pelo menos na teoria. Na prática mesmo tivemos governos bem autoritários e repressores da livre imprensa e expressão. Nesses primeiros anos, a perseguição política era a praxe, inclusive através da violência de Estado. Com o Estado Novo, a própria Constituição regulamentava a censura e tivemos anos de terror político.
Enquanto nos Estados Unidos a liberdade de expressão é ampla, mas, por ser uma Federação real, as leis penais variam de Estado para Estado, mas em geral criminaliza-se apenas a calúnia, com previsão de ações cíveis contra abusos. Lá, a liberdade de expressão sobrepõe-se ao direito à honra individual. E essa liberdade foi sendo ampliada durante o século XX, período de maiores controvérsias. Os casos de processos criminais são raros.
No Brasil a legislação infraconstitucional sobre o assunto impede a plena expressão, apesar das Constituições posteriores ao Estado Novo darem uma aparência de protegê-la. Aqui, além da possibilidade de processos cíveis, a legislação penal prevê os crimes contra a honra o que, na grande parte das vezes, inibe o discurso ao nível de autocensura.
E essa postura legal de mais de um século obviamente tornou-se cultural. As autoridades públicas, e a própria população, insistem em criminalizar, em diferentes graus, a livre manifestação de pensamento. A legislação penal é abrangente nos tipos penais, muito de que se fala no debate público acaba sendo abrangido por um dos tipos existentes – calúnia, injúria e difamação.
A calúnia – por ser a acusação falsa de crime e abrir espaço para a exceção da verdade – e a injuria – ofensa à dignidade ou decoro de alguém, o conhecido xingamento – dificilmente podem ser usadas para o cerceamento da liberdade de expressão. Agora, a difamação – atribuir a alguém um fato que ofende sua reputação, mesmo que verdadeiro – é um prato cheio para silenciar os críticos, principalmente no âmbito do debate público.
Vejamos um exemplo. Em um debate, onde dois pontos de vista diferentes sobre um assunto que envolva geopolítica, em que uma das partes identifique que o outro está dissimuladamente fazendo militância ideológica contra a sua opinião embasada em fatos, pode ser acusado de difamação por expor essa situação de militância ideológica camuflada, simplesmente alegando que isso ofende sua imagem pública.
Essa sempre foi uma estratégia usada pelos progressistas contra seus oponentes. E, se estamos em um período onde os conservadores se dizem vítimas de censura, estes também são ávidos por censurar o discurso contrário. O mesmo ocorre na música, televisão, cinema e redes sociais. A cultura do cancelamento, criada pelos progressistas, foi gostosamente abraçada por aqueles que se dizem conservadores.
No Brasil a questão mais democrática é a censura de adversários. Censura que abrange o debate público, as artes e a política. Durante as Ditaduras, com ou sem lei, os adversários políticos são calados das mais diversas formas pelo Poder Público. Aqui na Brasil, essa censura permeia o dia a dia, com Ditadura escancarada ou em momentos de liberdade aparente.
Ocorre que os cidadãos brasileiros, em geral, adoram calar seus adversários, e todos tem seus nobres motivos a alegar. Com essa cultura tão arraigada, como achamos que teremos forças para combater um Governo opressor? A resposta continua sem resposta. Ou será que a resposta já está dada?