BATE-BOCA丨Sette-Câmara ou Sete-Pele?

Bruno Fontana
Bruno Fontana
Mestrando em Filosofia na USP e administrador do site "Contra os Acadêmicos"

Coitada da “Nova Direita” – seja lá o que isso signifique! Mal nasceu e já começa a ser apedrejada pela própria Direita. Sei que o propósito da Esmeril do mês é fazer uma defesa do conservadorismo contra as críticas absurdas da Esquerda. Mas sob o risco maior de que, feito a economia soviética, os direitistas se auto-destruam, optarei por estabelecer antes uma resistência ao socialismo interno do que ao externo, antes à Direita esquerdista, por assim dizer, do que à Esquerda propriamente dita. Não sendo minha intenção fazer com que o leitor fique zonzo diante de tamanha confusão espacial e termine o texto sem nem mais saber se é destro ou canhoto, vou desde já nomear o Tinhoso que será assunto de meu texto: seu nome é Pedro Sette-Câmara (ou – quem sabe?! – devêssemos apelida-lo Pedro Sete-Pele).

Escolhi falar de Pedro não só porque ele, a meu ver, é hoje o mais importante crítico da direita olavista e cultural, mas também por ser ele um dos principais responsáveis pela popularização da própria expressão “Nova Direita”. 

Se bem analisado, aliás, esse rótulo descreve muito mal o conteúdo. Desde a década de 90, Olavo alerta seus leitores e alunos para o fato de que a guerra cultural jamais deve ser reduzida a uma bandeira política: a sincera busca da verdade só pode encontrar expressão autêntica em consciências individuais, jamais em coletivos abstratos feito “a Direita” ou “a Esquerda”. Mas, apesar da má vontade na classificação de todo um movimento intelectual que se aproxima cada vez mais de mudar para sempre os rumos da cultura nacional, muitas das críticas de Sette-Câmara são justíssimas – inclusive porque carecem de extensão –, como, para citar apenas essas, as que compõem os textos A direita do inferno ao purgatório e  As consequências têm ideias

Os problemas começam a surgir quando Pedro se põe a tratar de questões que nitidamente fogem à alçada de um “apenas professor de literatura, especialista em René Girard”, como ele mesmo se descreve. Por exemplo, em “Ai, só leio clássicos”, outro textículo de Instagram, mostra-se nítida sua incompreensão do real e deplorável estado da educação brasileira. Contra a moda “direitista” atual de revalorizar os clássicos, ele começa por dizer que “não há coisa mais triste que só ler os clássicos”. O argumento é o seguinte: fechar-se à descoberta de novos autores, com o pretexto de ler apenas aquilo que já foi consagrado pelo tempo, é um ato de covardia, é querer encontrar segurança demais num mundo que, por sua própria natureza, não tem nada de seguro: o mundo das aventuras das ideias. 

De fato, o verdadeiro homem de estudos precisa ter, pelo menos, alguma dose de ousadia, de ambição, de criatividade. Mas reduzir a atual revalorização dos clássicos a uma “mistificação”, como ele o faz, é no mínimo, não compreender as deficiências concretas dos estudantes brasileiros. 

No Brasil, saímos da escola ignorando completamente quem foram homens como Virgílio, Dante e Goethe, ou mesmo Gilberto Freyre e Nelson Rodrigues. É comum que não se tenha noção nem das diferenças básicas entre gêneros literários: poesia, conto, novela, romance etc.

Diante de uma catástrofe educacional feito essa, como incentivar o estudante a deixar os clássicos de lado em nome de um programa de estudos caótico e sem direcionamento? O resultado inevitável seria – como, aliás, já é – uma total perda do senso das proporções, na qual Hamlet e Memórias Póstumas são substituídos por Harry Potter e A culpa é das estrelas

A função do apego inicial aos clássicos é justamente preparar o neófito para, no futuro, poder encontrar, sozinho, o seu próprio caminho. Triste não é ler só os clássicos, triste é não saber nem por onde começar. A índole conscientemente anti-formativa e anti-didática de um professor que só consegue ter algum público hoje em razão do monstruoso esforço formativo e didático, realizado por outro professor no passado (Olavo), chega a soar risível.   

No entanto, o pior das ideias de Sette-Câmara aparece no tratamento de questões de alto teor histórico e filosófico, como aquelas referentes ao problema da “ordem” e da “crise da cultura” no Ocidente. Em texto intitulado Não existe ‘crise da cultura’, Pedro afirma: 

“Se você é ocidental, se você dá valor à filosofia grega, à famosa tradição judaico-cristã, não entendo por que fala em crise da cultura. A cultura é uma crise. Sócrates foi condenado por corromper a cidade. […] O sumo sacerdote Caifás rasgou as vestes ao ouvir Cristo falar. Caifás é a ordem. Cristo é a crise. […] A ‘cultura ocidental’ é uma longa e imensa crise.”

Não se preocupe o leitor, tal argumento não passa de um sofisma barato. Como Sette-Câmara não acredita na existência de uma crise da cultura, talvez ele tenha optado por se dedicar à leitura de Michel Foucault (ele mesmo o confessa) em vez de estudar um pouco de lógica aristotélica e, assim, acabou não se dando conta de que suas próprias faculdades intelectuais é que só podem estar em crise com uma argumentação de tão baixo nível. Parece que as várias infecções de Covid realmente lhe afetaram os nervos.

Sócrates e Jesus representaram, de fato, uma ruptura crítica em relação ao establishment cultural da época. Mas a crise gerada por eles de nada valeria se não tivesse sido ocasionada em nome da instauração de um novo e superior padrão de ordem, uma nova cultura. 

Na verdade mesmo, não só aos olhos de Sócrates, mas também aos de Platão e Aristóteles, a sociedade helênica é que estava mergulhada em uma crise anômica, porque desprovida de valores transcendentais que lhe servissem de orientação. A filosofia nasce com o propósito de revitalizar a pólis grega a partir da substância de ordem presente na alma dos amantes da sabedoria, que educaram seu espírito de acordo com o paradigma das “leis divinas, não escritas”, a estrutura metafísica da realidade: o Logos divino que depois se fez carne e habitou entre nós.

O homem da Alegoria da Caverna não foge simplesmente depois de descobrir a luminosidade do mundo exterior. A fim de incorporar, na esfera da imanência, o que lhe fora revelado pela fonte da verdade transcendente, ele retorna às sombras da gruta e informa os antigos colegas da descoberta que fizera. Jesus, se não tivesse tido mais ou menos o mesmo propósito, jamais teria deixado, antes de ir embora, a Igreja enquanto seu corpo místico na Terra.

Nada garante, é claro, que os novos valores sejam absorvidos com sucesso na cultura universal. Mas se não houvesse qualquer esperança de que essa absorção de algum modo acontecesse, nem o calvário nem a cicuta teriam valido a pena. Ambos os eventos mudaram a história do mundo para sempre: a imitatio Socratis e a imitatio Christi se tornaram os paradigmas irrevogáveis da ordem da cultura ocidental.

Enfim, decerto em razão dos mesmos defeitos cognitivos já mencionados, ele conclui alhures que “a guerra cultural é para idiotas” e que Jordan Peterson, o “pajé canadense”, se alimenta – contrariamente aos ensinamentos de Cristo – do ódio às multidões que ele mesmo critica por serem odientas. Sette-Câmara soa muito espirituoso em tudo que diz. Só não é espirituoso o suficiente para dar-se conta de que seus escritos jamais teriam alguma significância se não possuíssem quase como única e exclusiva finalidade tirar sarro das multidões olavo-direitistas, por meio de uma guerra cultural. Pensando bem, talvez ele tenha tanta espirituosidade que, com isso, esteja chamando a si mesmo de idiota, e nós é que somos incapazes de reconhecer tamanha humildade intelectual em alguém. 

Retomando a sugestão feita no início do texto, os engraçadíssimos apelidos criados por Olavo contra seus desafetos jamais foram escolhidos a esmo. Tudo era muito bem calculado para descrever a essência patética da figura pública em questão: Leandro Espiritual, Márcia Tiburra, Kim Katacoquinho, Tico Senta-cus, Arruinaldo Azevedo etc. 

Não será possível manter-se fiel às doutrinas do mestre, sem reproduzir também sua filosofia do humor, seu, tipicamente brasileiro, sarcasmo intelectual. Está na hora, portanto, de criar novos apelidos para novos desafetos. A partir de hoje Pedro Sette-Câmara se muda em Pedro Sete-Pele. Como se vê claramente nos seus textos, o que haveria de mais típico no comportamento do Tinhoso, o príncipe da enganação, do que o propósito de “acusar os outros do que você faz, e chama-los do que você é”?

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