SANTO CONTO | Os últimos segundos de Matias

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Um conto baseado no martírio de São Matias

Antes que a primeira pedra o atingisse, em poucos segundos Matias viu uma sucessão de cenas.

Viu-se às margens do Jordão, escutando as pregações do Batista, quando chegou aquele seu primo que também pedia pelo Sacramento nas águas. Viu o profeta submergindo-O no rio, e então a luz, aquela luz que desceu do céu sobre Ele. E seu coração palpitou.

A imagem d’Ele o deixou ansioso, e Matias sentiu uma impaciência parecida com a que havia sentido quando o Mestre viajou ao deserto e parecia que não voltaria nunca mais. Mas voltou, para alegria sua e de muitos outros amigos que aguardavam com a mesma inquietação.

Veio-lhe à mente o rosto da mãe do Mestre, mulher tão boa e tão piedosa, e sentiu o perfume de muitas, muitas rosas. Viu-a com o Mestre naquele casamento em Caná, o perfume das rosas transformou-se cheiro de vinho. Daquele vinho, o melhor que já havia provado em toda a sua vida. E sorriu.

Depois foi um borrão, fatos passando numa velocidade além do que os olhos eram capazes de acompanhar, e de repente sentiu o cheiro do mar, e teve fome. Viu-se ajudando a distribuir aquela infinidade de pão e peixe para uma multidão a perder de vista, e sua fome foi embora.

O cheiro gostoso de mar transformou-se em fedor cadavérico. Viu o Mestre chorando quando soube da morte daquele Seu amigo, Ele mandando abrir o túmulo, e sentiu o fedor ainda mais forte, mais nítido, mas logo desapareceu. Seu coração voltou a palpitar com força, a mesma força de quando viu o amigo do Mestre saindo do túmulo, inteiro, recomposto, vivo. Sorriu novamente.

Viu o Mestre pregando, ensinando. Fixou-se em uma frase, “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”, e então viu aquela multidão O recebendo feito um rei. Ele em cima de um burrico e toda aquela gente alegre O saudando, e sentiu aquele cheiro das folhas de palmeira novamente.

Veio então uma sucessão de cenas que fizeram seu coração doer. O Mestre todo maltratado, sangrando mais, e mais, e agora só sentia o cheiro daquele sangue todo. E o cheiro de sangue se misturou ao de madeira. Viu a Cruz e chorou.

Depois sentiu de novo o susto de quando avisaram que o corpo do Mestre havia sumido, e a alegria de quando O viu andando entre eles novamente, e ficou com a imagem d’Ele, todo iluminando, subindo aos Céus. Seu coração alegrou-se.

Sentiu o calor do fogo que vinha dos Céus quando recebeu aquela Luz bendita.  Maria estava ali perto dele, mas o rosto que lhe apareceu de repente foi o de Pedro, e então viu Pedro discursando naquele dia que novamente mudaria sua vida, dizendo que era ele que iria ocupar o lugar do traidor. Por onde andaria Pedro? Será que já estava com o Senhor no Céu? Seu coração teve saudade.  

Viu de novo o rosto do Mestre, o de Maria, o de Pedro, os de tantos amigos, a vida nos últimos anos, a peregrinação constante, as pregações, a emoção das conversões, as perseguições e as fugas, a prisão, o julgamento, a sentença.

Então a primeira pedra atingiu sua testa e uma gota de sangue desceu sobre seu olho direito. Outra pedra. Mais outra. E mais outra. Com a visão turva e avermelhada, e as dores dos ferimentos, ergueu seus olhos para o céu e repetiu as palavras do Mestre: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. E tudo ficou escuro.

Abriu os olhos e já não sentia dor. E sentiu perfumes, e ouviu melodias, e enxergou cores que nunca havia sentido, ouvido ou enxergado antes. Viu vários Anjos, eram eles que cantavam. E viu São José, que lhe trazia lírios, e o reconheceu como se o tivesse conhecido toda a sua vida. E finalmente viu o Mestre, todo de branco, ainda mais iluminado que quando subiu aos Céus. E O abraçou.


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