NATI JAREMKO | O caso Joe Rogan e o moralismo progressista

Nati Jaremko
Nati Jaremkohttps://medium.com/@naty.jaremko
Tentando sobreviver ao mestrado em história e uma grande curiosa nesse mundo do conhecimento. Libertária. Gosto quando posso falar e pensar livremente. Começando a escrever umas coisinhas aqui e ali.

Ele foi alvo das retaliações da patota

A recente polêmica entre Joe Rogan e Neil Young envolvendo o Spotify, na qual o cantor boicotou a plataforma parando de exibir seu trabalho por lá, já que a exigência de retirar o podcast “The Joe Rogan Experience” do ar não fora acatada, lembrou-me dos debates clássicos entre conservadores e progressistas que ajudaram a formar nosso imaginário político.

Por muito tempo considerou-se essencial o equilíbrio causado pelas duas esferas de pensamento. Enquanto a primeira reforçava as regras e hierarquias, evitava a bagunça e a desordem, a segunda trazia uma dose necessária de irreverência que abria espaço para os questionamentos mais ousados. Ambas ajudaram a formar e a manter os pilares da civilização.

A esquerda tinha seu papel na divulgação da alta cultura. Tinha gente boa escrevendo e criando. Tinha, entre os seus, pessoas corajosas e coerentes e ajudava a elevar o nível do debate. Gostavam de Jorge Amado, Graciliano Ramos, Nelson Rodrigues, Flaubert e Henry Miller, e hoje se horrorizam com a existência de um apresentador que chama especialistas – com um currículo invejável, diga-se de passagem – com uma opinião diferente da das grandes mídias para falar livremente em seu programa. A imposição autoritária de um viés do discurso: é isso que os que se dizem sucessores dos vanguardistas do passado defendem.

Joe Rogan já levou todo tipo de gente para falar em seu programa, incluindo o correspondente médico da CNN, Dr. Sanjay Gupta, e o Dr. Michael Osternholm, membro do conselho sobre a Covid-19 do presidente Joe Biden. Além de já ter dito abertamente que apoiou Bernie Sanders nas eleições em que este concorrera. Ou seja, definitivamente não pode ser associado com uma direita tradicional, mas por ter manifestado opiniões consideradas controversas pelo mainstream ou por ter ousado levar convidados com posições pontuais que se distinguem das dominantes, foi alvo das retaliações da patota.

A esquerda sofre o fenômeno “admirável mundo novo”, que é o embotamento da mente por meio do prazer fácil, o redirecionamento de suas responsabilidades a uma instituição centralizadora como ressarcimento por ganhar carta branca para a leviandade. Em resumo, é a diversão sem consequências, isso é o que é liberdade para eles. E em troca de se manter nesse estado, renunciam à capacidade de processar as informações por conta própria. Repetem apenas, sem pensar a respeito e sem consultar fontes primárias, como se os discursos das autoridades sobre o correto ordenamento social fossem dados inequívocos da realidade.    

Eles tiram fotos com a língua de fora e gestos obscenos e ouvem músicas com letras grosseiras e violentas, mas quando alguém senta para discutir a sério e com acentuada honestidade algum assunto, dizem-se ofendidos. Não que eu esteja condenando o comportamento por si só – eu mesma tenho minha dose de atração por esse tipo de estética como forma de alívio para a austeridade da vida real – e quem seria se estivesse aqui querendo fornecer ainda mais material aos censuradores, mas o fato é que há mais do que hipocrisia nesse modo de ação: ele é fruto de um imaginário viciado e plano, que barganhou sua autonomia de pensamento por doses constantes de estímulos vulgares.

Esse tipo de lógica alimenta a covardia, faz com que gastem toda a energia da “luta” em uma atuação inócua e que não exige o menor empenho, enquanto ficam atrás de uma tela torcendo para que os que querem de fato a soberania da própria mente sejam interpelados por seus falsos deuses. Eles não percebem que estão feito hamsters em gaiolas, que recebem alimento e copulam o dia inteiro sem ter que trabalhar, mas a quem só é permitido o contato com a realidade por meio de uma espiadela por entre as grades ou passeios dentro de bolinhas coloridas, sempre monitoradas; acham que estão caminhando, mas só fazem correr em círculos. Não haveria o menor problema se não estivessem tentando arrastar a humanidade inteira para dentro do mesmo cárcere.


Com informações do portal Tenho mais discos que amigos e do canal do Joe Rogan no YouTube.


“Não deves magoar os outros com palavras. Esse princípio é uma ameaça (…) ele põe em risco a liberdade de questionar — isto é, a ciência em si”.

Kindly Inquisitors, de Jonathan Rauch

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