FILOSOFIA INTEGRAL | A Humanidade e seu Desejo de Autonomia

Os iluministas gritaram aos quatro cantos que o que importava era a Razão. Não foi, porém, por acaso. O seu tempo experimentava mudanças significativas. O mundo não era mais estático, como antes. A tecnologia começava a se impor e a organização social estava ficando mais complexa. E tudo isso fruto da inteligência humana.

O orgulho que os homens começaram a sentir do seu poder de pensar e construir através do seu pensamento tinha seu fundamento e esse deslumbre levou-os a acreditar que eram capazes de, por si mesmos, atingir os mais altos saberes. As conquistas e os desenvolvimentos históricos, frutos da razão, foram tomados como “prova” desse poder. Afinal, se eles foram capazes de construir um mundo complexo e fascinante sem pedir ajuda a ninguém, apenas contando com a força de seu saber compartilhado uns com os outros, isso é a demonstração do poder da inteligência humana.

Não é por acaso que a humanidade, depois de um tempo vacilante, oscilando entre o místico e o racional, escolheu este como o seu único guia. Na modernidade, ela assume, de vez, sua autonomia e rejeita todo suposto conhecimento que lhe fosse oferecido desde fora. Definiu que o que ela podia conhecer era somente aquilo que podia apreender por meio de suas próprias capacidades cognitivas.

Mas a Modernidade não é um acidente na história, e sim a culminância de um processo contínuo e gradativo que começa no Éden; é apenas um desdobramento do pecado de Adão. Se traçarmos uma linha cronológica da história do pensamento, vamos verificar que ela é uma marcha constante em direção a uma busca, cada vez maior, por parte dos homens, por independência de pensamento, por uma rejeição gradativa de qualquer ideia ou conceito que seja oriunda de uma autoridade que não a sua própria razão.

A verdade é que a história do pensamento se mostra como uma mera continuidade do mito adâmico. Neste, o homem ouve uma voz (que seria como um daimon, retratado como uma serpente), que lhe diz que ele poderia ser como os deuses, ou seja, que poderia abarcar a realidade já não mais sob uma tutela superior, mas contando com suas próprias capacidades intrínsecas.

Obviamente que, ao considerar a sugestão soprada aos seus ouvidos, o homem só poderia tomar a tutoria divina como algo sufocante. Se há o anseio por agir com autonomia, toda direção dada por outrem passa a ser incômoda.

A partir de então, esse homem, que tinha o anseio de pensar por si mesmo, de conhecer por si mesmo, de estabelecer as próprias bases do seu pensamento, não poderia aceitar que outrem, ainda que fosse o próprio Deus, lhe outorgasse os princípios para o conhecimento. Portanto, rejeita-os peremptoriamente.

Adam quis ser como os deuses, negando a direção do Pedagogo e nisto consistiu o seu pecado. Pecado que ficou incrustado na alma dos seus descendentes, que permanecem em toda a sua história buscando sua autonomia, tentando afirmar que podem, por si mesmos, não só decifrar a realidade, mas determiná-la.

Mas essa pretensão de autonomia não foi um mero ato rebelde de quem se engana quanto às suas próprias capacidades. Pelo contrário, se o homem vislumbrou a possibilidade de ser como os deuses, é porque percebeu em si atributos semelhantes aos deles. O pecado adâmico só tem relevância porque foi realizado por um ser realmente poderoso, capaz de produzir maravilhas. O único problema é que, toda essa potência, sem os devidos princípios, além dos prodígios, é capaz de engendrar muitas dores.

Tanto que a história da humanidade pode ser resumida numa sequência de conquistas espetaculares, desenvolvimentos esplêndidos, criações maravilhosas e, ao mesmo tempo, de produção de mazelas horripilantes, violências sanguinolentas e crueldades inexplicáveis. O mesmo conhecimento que foi capaz de salvar civilizações inteiras, não demorou a ser usado para destruí-las.

Tudo isso, com efeito, é produto desse espírito humano, poderoso por sua semelhança com a divindade, mas perigoso, por rejeitar os princípios oferecidos por ela.

A rejeição da orientação divina lançou a humanidade no mundo por conta própria, abandonada em sua própria perspectiva, perdida em seu próprio ponto de vista, fechada em sua própria experiência, sem princípios, sem fundamentos. E o resultado disso está registrado na história: uma mistura de maravilhas e confusões que só os seres humanos são capazes de cometer.

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