ENTREVISTA | Café, um fruto do espírito humano

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Brás Oscar fala sobre seu livro “O mínimo sobre Café”

No último da 22 de maio, Dia Mundial do Café, a Editora O Mínimo nos presenteou com o volume O mínimo sobre café, do analista político e barista Brás Oscar – autor de outro grande sucesso da editora, O mínimo sobre a queda da Europa.

Neste livro, Brás expõe seu profundo conhecimento sobre uma das bebidas mais populares do mundo, e que tem importante papel na história, na cultura e na formação do Brasil. Um produto, que, segundo o autor, para além de sua importância econômica, “é fruto do espírito humano” e “transcende nossas meras necessidades fisiológicas”.

Para saber mais sobre a história por trás desse livro, acompanha a entrevista a seguir, em que Brás também fala sobre seu curso sobre café e sua nova linha de cafés especiais.


Revista Esmeril: Como surgiu a ideia de escrever seu livro O mínimo sobre café?

Brás Oscar: Eu já havia escrito um volume para a coleção “O Mínimo” que foi publicado em 2022, que foi O Mínimo sobre a Queda da Europa; um ensaio sobre a decadência intelectual e política europeia. Cerca de 2/3 do texto tinha sido produzido e publicado em formato de artigos separados durante o período em que eu fui correspondente internacional pro Jornal BSM, e abordava o problema do progressismo na política e cultura da lá.

O livro vendeu bem, mesmo se tratando de um assunto tão nichado. Eu comentei com o Felipe Denardi (meu editor) que eu queria escrever algo sobre café, porque eu fui barista e trabalhei com café por muitos anos antes de ser jornalista, e ele sugeriu que seria um tema excelente para outro volume da coleção O Mínimo.

Minha primeira cafeteria foi em 2009, aqui no Brasil, e depois tive outra em Portugal, que fechei em 2020 por causa das restrições do governo durante a fase da loucura do COVID-19. A primeira loja foi um fracasso comercial. Era a primeira vez que eu empreendia, e tive muitos problemas com más decisões do sócio que gerenciava a parte financeira; entretanto, apesar do prejuízo, eu havia feito um excelente curso de barista e estudado muito sobre tudo que envolvia café, então o saldo foi positivo, depois que passou o desespero da falência, claro.

Eu sempre continuei estudando o tema e aperfeiçoando algumas técnicas e investigando questões históricas que envolviam a origem do cultivo do café, sua introdução nas colônias europeias no Novo Mundo, o início da cultura cafeeira no atual território brasileiro etc.

Percebi dois problemas quando comecei a estudar o tema: o primeiro, a ausência de literatura séria sobre café em língua portuguesa; tive que importar livros e assistir muitas aulas em inglês, ou em japonês com legendas em inglês. O Japão, que não produz um pé de café, escreve e produz muito mais conteúdo cultural sobre o tema que o Brasil, além de ser um dos líderes em questões que envolvem desenvolvimento de tecnologias para extração de alta qualidade da bebida.

O segundo problema é a quantidade de lendas, explicações apócrifas e confusões sobre tudo que envolve o tema e publicam no Brasil como se fosse verdade: origem do café, chegada do café no Brasil, cafeína, métodos de extração, qualidade do produto… muita coisa é empirismo e achismo, além de muita desinformação criada pela indústria cafeeira.

Eu acabei juntando minhas duas paixões, café e escrever, e achei que seria bom ter um livro que ajudasse a divulgar a cultura cafeeira, principalmente o café especial (specialty coffee), que é mais alta certificação que um café pode ter no mundo, e que produzimos muito e da mais alta qualidade no Brasil, mas ao mesmo tempo ainda está restrito a um grupo pequeno, porém que só cresce ano após ano.

Revista Esmeril: Em seu livro você menciona a importância do café para a humanidade, que vai muito além dos aspectos econômicos ou fisiológicos envolvendo essa bebida. Fale um pouco sobre isso aqui.

Brás Oscar: O café é a única das grandes commodities e grandes lavouras que não é exatamente um alimento ou algo com uma utilidade primordial. O café está sempre no grupo das grandes commodities, como carne, soja, milho, trigo, minério de ferro etc., porém ele não tem macronutrientes, não serve a algum propósito essencial da vida prática. Isso sempre me fez parar para pensar por que empenhamos tanto esforço em produzir café.

A lavoura demanda muita mão de obra, muitos cuidados, muito tempo de espera para o início da alta produtividade, a planta é muito seletiva com o clima, o trabalho para se transformar as cerejas (que é também o nome da fruta do café) em grãos torrados é quase uma alquimia de tão complexo.

E não há quem, com mais de dois neurônios, se convença de que todo esse esforço é simplesmente por cafeína. O café é fruto do espírito humano, da vontade do homem em imitar (no bom sentido) o Criador. E o resultado desse capricho é algo que transcende as nossas meras necessidades fisiológicas. É exatamente como a arte, ou seja, algo que satisfaz nossa necessidade de ver, sentir, cheirar e degustar coisas que são apenas boas, que refletem beleza, que nos lembram que somos mais que primatas escravos de necessidades e instintos animais reprimidos. A gente precisa de bom café tal qual de boa música. Pra mim, essas coisas são provas definitivas de que temos espírito, de que somos mais que bicho. 

Revista Esmeril: Qual a importância do café para a história do Brasil, e qual sua importância em nossa cultura?

Brás Oscar: O Brasil é o maior produtor mundial de café desde 1880 e mantém o título intacto até hoje. São 144 anos de liderança e tradição, produzindo boa parte do café do mundo. Por volta das décadas de 1950 e 1960 chegamos a ser responsáveis por mais da metade da produção mundial de café.

Hoje, mesmo com tantos países que aumentam sua safra ano após ano, como Índia, Vietnã, Colômbia, Costa Rica, Quênia etc., nós ainda somos responsáveis por aproximada 35% da safra mundial.

A safra mundial do ano passado foi de 170 milhões de sacas, das quais 55 milhões foram de café do Brasil, que abasteceram o mercado interno e ainda foram exportadas para 150 países. Para este ano existe já a previsão de 66,3 milhões de sacas, o que nos aproxima de 39% da produção mundial.

 Para termos noção o quão grande e importante é isso, se somarmos a expectativa da produção de 2024 do segundo e do terceiro maiores produtores mundiais – Vietnã e Colômbia –, mal chegamos a 58% da produção brasileira.

A gente só contabiliza café cru, ou seja, o grão seco, porém não torrado.

De forma indireta, esse café chega no total a cerca de 180 países (reexportados como torrado ou torrado e moído ou instantâneo), fora as vendas diretas de café especial já torrado, em grãos, feitas por torrefações artesanais diretamente ao consumidor final no estrangeiro. Como existem cerca de 195 no mundo (a lista varia conforme o reconhecimento ou não de certas nações como soberanas, daí o número pode chegar a 206), se a gente pensar numa estatística só pra fins de ilustração, é como se qualquer pessoa que tomar ao menos 3 xícaras de café em qualquer lugar do mundo hoje esteja consumindo ao menos 1 xícara de café do Brasil.

E é claro que algo com tanto peso econômico impacta a sociedade de maneira geral. Um exemplo que eu explico com mais detalhes no livro é como o ciclo do café mudou totalmente a colonização e povoamento do Paraná.

Em resumo: não existe história do café sem Brasil, e a história do Brasil sem café seria outra.

Revista Esmeril: Você menciona o desafio de se escrever um “mínimo” sobre café sem que a obra acabe se transformando em um livro de receitas de café. Como contornou esse desafio?

Brás Oscar: É um desafio porque tem gente que espera mesmo que seja um livro de dicas de preparo, harmonização, gastronomia… e também porque eu sempre quis fazer algo assim, falando só de gastronomia mesmo, mas não é prático fazer isso em papel quando existe o recurso do vídeo.

Livros de receitas geralmente precisam de muitas ilustrações e fotografias, porque tem coisa que você precisa mostrar, é complicado descrever, e essa não é a proposta da Editora O Mínimo.

Contornar isso foi muito bom, porque existe pouca publicação e divulgação cultural do café, principalmente do café especial, no Brasil, então eu dei mais vazão ao livro para o meu lado jornalista e pesquisador do que para o meu lado barista. Mas o livro não se resume a história. Mais de 1/3 dele é dedicado a explicar todo o processo da lavoura até a xícara, incluindo os processos de secagem, classificação, como a torra atua na percepção sensorial.

A ideia é tornar o leitor capaz de entender mais sobre a história do café e torná-lo capaz de saber distinguir o que é um bom café, o que diferencia as categorias, como a grande indústria vende gato por lebre, como o café especial é – no fim das contas – o café “de verdade”, além de dicas práticas e uma sessão de “mitos e verdades”.

Agora, se você chega até o fim do livro, lá tem um QR Code que leva o leitor ao meu Link Tree, e logo o primeiro link é meu curso sobre café, que se chama ALÉM do Mínimo Sobre Café, esse sim, totalmente prático. Um curso que ensina você a transformar sua cozinha numa cafeteria e a extrair o melhor café possível com os métodos mais comuns. Ali tem receitas, dicas e drinks, pensando em quem já gosta do assunto e já se arrisca em casa, mas também com os cuidados de deixar fácil aos que não sabem nem apertar um botão de cafeteira elétrica. É uma mixaria, R$97,00 e ainda parcelo em 12x no cartão.

QR Code para acesso ao Link Tree de Brás Oscar

E na próxima semana, ainda falando de café na prática, haverá o lançamento do primeiro café da minha linha, feito em parceira com a The Trade Coffee.

A gente escolheu a dedo o produtor, a Fazenda Recreio, na região do Vale da Grama, uma área nobre na cafeicultura, que fica em São Paulo, na divisa com Minas Gerais.

O Tiago Trovo, da Trade Coffee, acompanha tudo pessoalmente. Eu desenvolvi o perfil de torra para termos um café com características que satisfaçam o apreciador de café especial, mas que não assuste o paladar de quem está chegando agora.

Café “O Mínimo”, em breve disponível na Livraria do Brás

Existem cafés especiais que são bem exóticos, principalmente os que passam por fermentação e possuem torras bem claras (são os meus favoritos, aliás), mas esse é um café “bem café”, ou seja, ele tem aromas que lembram chocolate e caramelo, por exemplo, porque deixamos a torra um “tiquinho” acima da torra média, isso garante uma bebida com corpo e uma acidez bem balanceada também, perfeito, puro, excelente para espresso e ideal para preparos com leite.

E como todo café especial, ele tem pouquíssimo amargor e é naturalmente muito doce. Não é um blend, é 100% arábica apenas da variedade Arara, e optamos pelo processo “cereja descascado”, que seca o café no terreirão retirando só a casca da cereja e mantendo a polpa, para deixar o grão em contato com os açúcares da fruta. É um café com mais de 86 pontos no padrão de classificação da SCA (Specialty Coffee Association), será vendido na minha livraria on-line e sempre entregue com torra fresca, em grão ou moído. Aliás, todos esses termos sobre processo de secagem, variedade, pontuação SCA, acidez, notas aromáticas, tá bem explicado no livro.

É um cafezão, mas vamos chamá-lo de Café O Mínimo, porque quando você ler o livro e passar a entender mais sobre o assunto, não vai aceitar nada abaixo um café assim.


DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor