D. PEDRO II – 200 ANOS丨O nascimento do príncipe herdeiro

Amanda Peruchi
Amanda Peruchi
Doutora em história e pesquisadora da história do Brasil do século XIX. É autora de A institucionalização da farmácia brasileira: Rio de Janeiro e Bahia, 1808-1891 (2023), Ecos da Independência: a opinião pública em 1822 (2022), entre outros títulos.

Numa sexta-feira, em 2 de dezembro de 1825, no Palácio de São Cristóvão, às 2h30 da manhã, nasceu o sétimo e último filho do casal D. Pedro I e D. Leopoldina: Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga. O nascimento do príncipe foi motivo de grande júbilo para seus pais e para os brasileiros, pois era ansiosamente aguardado após as perdas de Miguel, natimorto, e de João Carlos, o Príncipe da Beira, falecido aos onze meses, em 4 de fevereiro de 1822. O falecimento do Príncipe da Beira, menino de saúde frágil que desde o nascimento sofria de “incômodos nos nervos”, ocorreu em meio às agitações que se seguiram ao “Fico” de D. Pedro. Em 10 de janeiro de 1822, membros do Partido Português e tropas da Divisão Auxiliadora deflagraram uma mobilização a favor dos portugueses na Corte. Ao longo de 1821, esses mesmos homens, liderados pelo general Jorge d’Avilez (1785-1845) – Comandante das Armas da Corte e Província do Rio de Janeiro –, haviam pressionado pelo regresso do Príncipe Regente a Portugal.

Preocupado com a rebelião, o Príncipe quis pôr sua família em segurança. Na noite do dia 11, Leopoldina, grávida, e seus dois filhos pequenos, Maria da Glória e João Carlos, dirigiram-se ao Palácio Real de Santa Cruz. No entanto, “a repentina mudança de ares, ou mesmo os grandes calores” daquela noite de verão fizeram um “total desarranjo no sistema delicado daquele Jovem Príncipe, ainda persentido, ou talvez afetado, das suas moléstias primitivas”. O Príncipe da Beira ficou “gravemente enfermo, sem que pudesse ser-lhe profícuo o mais esmerado tratamento”, e, poucos dias depois, passou “para a melhor vida com indizível sentimento de seus Augustos Pais, e um geral pesar de todos os habitantes desta Corte […] na sentida perda de um filho querido, em que tinham posto os brasileiros a sua esperança”.[1] Para além da tristeza – que tomou conta da Imperatriz e é comentada em várias cartas enviadas à sua família na Europa –, a morte do Príncipe João Carlos reacendeu a questão da sucessão ao trono, agravada à medida que Leopoldina dava à luz apenas meninas: Januária, Paula e Francisca.

A espera pelo herdeiro, entretanto, terminou em 1º de dezembro de 1825, um dia após a solenidade do terceiro aniversário da sagração e coroação de D. Pedro I. Eis a nota publicada pelo jornal O Universal:

Às duas horas e meia da madrugada do dia 2 do corrente, S. M. a Imperatriz deu à luz um Príncipe com a maior felicidade possível, no meio de um trabalho, bem que de quase 5 horas, todavia assaz incômodo, tanto pela posição pouco favorável do tronco à entrada do estrito superior da bacia, que não deixava sem grande dificuldade descer a cabeça (primeira parte que se apresentou) aliás bem situada (posição occipito-cotyloidea esquerda) como pela distância dos ombros, cuja medida deu um número de polegadas abaixo indicado. Esta circunstância unida à primeira, influiu grandemente para dificuldade do parto, para o bom êxito do qual foi mister a intervenção de socorros, que foram prudentemente ministrados.
Medidas lineares:
Cumprimento 23 polegadas e um quarto.
Extensão de um a outro ombro 6 polegadas e três quartos. [2]

O herdeiro varão veio ao mundo – depois de um difícil parto de cinco horas – e foi anunciado por “fogos de artifício, berros dos nossos canhões e repiques dos sinos”, como relatou o editor francês Pierre Plancher (1779-1844) no seu O Spectador Brasileiro.[3] Assim como o pai, o Príncipe Imperial recebeu o nome em homenagem a São Pedro de Alcântara (1499-1562), franciscano espanhol tradicionalmente invocado pelos enfermos, canonizado em 1669 e proclamado, em 1826, padroeiro do Brasil. A onomástica régia incorporava essa devoção, ao lado do culto da Casa de Bragança à Imaculada Conceição.

As festividades pelo seu nascimento iluminaram as ruas da cidade do Rio de Janeiro por três dias consecutivos. A edição de 6 dezembro do Diário Fluminense registrou os acontecimentos daqueles dias:

Os dias 2, 3 e 4 do corrente foram de grande gala na corte em consequência de haver felizmente dado à luz S. M. a Imperatriz. No dia 2, S. M. o Imperador, acompanhado de Suas Augustas Filhas, foi à igreja de Nossa Senhora da Glória dar graças ao Todo-Poderoso por tão fausto motivo; no dia 3, pelas 5 horas da tarde, assistiu o mesmo Augusto Senhor na Imperial Capela um solene Te Deum Laudamus; no dia 4, a 1 hora da tarde se dignou S. M. I. receber do Paço da Cidade as felicitações do corpo diplomático e do numeroso concurso de pessoas das classes mais distintas que ali concorreu para ter essa honra. Em todos estes três dias salvaram e se embandeiraram as fortalezas e embarcações de guerra; e esteve iluminada a cidade.[4]

Em outro jornal da cidade – o Diário do Rio de Janeiro –, contava-se que o Senado da Câmara manifestou sua alegria, afirmando que o “céu” tinha “ouvido as súplicas e coroado os votos de todos os brasileiros, concedendo-lhes um Príncipe, em quem se prolonga a linha da Augusta Imperial Dinastia do Senhor D. Pedro I, Nosso Abençoado Imperador, e que por este motivo se redobra o nosso júbilo, pelos bens, que daqui nos provém”.[5] Já o público letrado, em homenagem ao recém-nascido, enviou aos periódicos da época cartas, odes, sonetos, décimas, entre outros escritos. O trecho a seguir, retirado das décimas publicadas no O Spectador Brasileiro, ilustra o tom que perpassa esses textos:

[...]
Bem-dito Deus Verdadeiro
Terminou o nosso mal;
Um Príncipe Imperial
Temos do Brasil Herdeiro.
[...][6]

Para além da Corte, registraram-se comemorações públicas em diversas províncias do Império, como São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco, Sergipe, entre outras. Na cidade de Vitória, em meados de dezembro, após ser “anunciado ao público esta gloriosa notícia com salvas das fortalezas, repiques de sinos, foguetes ao ar”, os habitantes começaram a preparar “pomposos festejos para darem demonstrações de júbilo”, com iluminação da cidade por três dias, “missa cantada e Te Deum em ação de graças, pelas muitas mercês com que Deus Nosso Senhor protegeu a nação”.[7]

Alegoria ao nascimento de D. Pedro II

Uma semana após o nascimento, o Príncipe Imperial foi batizado na Capela de Nossa Senhora do Monte do Carmo e Catedral da cidade do Rio de Janeiro, pelo bispo D. José Caetano da Silva Coutinho. Para madrinha, foi escolhida a Princesa Imperial, D. Maria da Glória, sua irmã mais velha; como protetor, claro, São Pedro de Alcântara. A cerimônia iniciou-se às 5 horas da tarde, sob forte chuva, e realizou-se, segundo os registros da época, “com toda a pompa possível”. Um artigo publicado no Diário Fluminense relatou esse importante evento na vida do futuro Imperador, destacando principalmente o comportamento de D. Pedro I, de D. Leopoldina e de suas filhas:

Logo que o Príncipe Imperial chegou à capela foi posto no seu primeiro leito, que estava ricamente ornado. S. M. o Imperador e Suas Augustas Filhas, acompanhado do Excelentíssimo e Reverendíssimo Bispo Capelão-Mor e Cabido se dirigiu à capela do Santíssimo Sacramento, onde fez oração […], e debaixo dos respectivos tronos se continuou a ação do batismo. […] Novas girandolas anunciaram ao público que o Príncipe havia recebido a água do Jordão em que foi batizado, e então salvaram todas as fortalezas, e embarcações de guerra, e repicaram todos os sinos.[8]

Concluído o batismo, o mordomo-mor conduziu o Príncipe Imperial para o segundo leito e executou-se o Te Deum Laudamus, composto por seu pai, o Imperador. Da capela, “ricamente ornada”, toda a família imperial seguiu para o Paço.

Há duzentos anos, o nascimento de Pedro de Alcântara assegurou a existência de um herdeiro varão para o trono brasileiro e, ao menos em teoria, um futuro para o país, que, à época, era apenas três anos mais velho e ainda buscava coesão e estabilidade internas, bem como reconhecimento por parte de outras nações.[9]

Hoje, o Brasil que tanto aguardou essa garantia física para o seu futuro já não existe: a monarquia ficou para trás em nossa história, e o nascimento do menino, outrora tão celebrado, passa quase despercebido na memória nacional.


[1] RIO DE JANEIRO. Gazeta do Rio de Janeiro, 9 fev. 1822, n. 18, p. 114.

[2] RIO DE JANEIRO. O Universal, 19 dez. 1825, n. 67, p. 268.

[3] RIO DE JANEIRO. O Spectador Brasileiro, 2 dez. 1825, n. 207, p. 1.

[4] RIO DE JANEIRO.Imperio do Brasil: Diário Fluminense, 6 dez. 1825, n. 132, p. 533.

[5] EDITAL. Diário do Rio de Janeiro, 5 dez. 1825, n. 339, p. 15.

[6] F. X. B. C. Décimas dedicadas ao Príncipe Imperial recém-nascido. O Spectador Brasileiro, 12 dez. 1825, n. 211, p. 1.

[7] ESPÍRITO SANTO. Imperio do Brasil: Diário Fluminense, 17 jan. 1826, n. 13, p. 49-50.

[8] ARTIGOS NÃO OFICIAL. Imperio do Brasil: Diário Fluminense, 10 dez. 1825, n. 135, p. 545.

[9] BARMAN, Roderick J. Imperador Cidadão e a construção do Brasil. Trad. Sonia Midori Yamamoto. São Paulo: Editora Unesp, 2012, p. 15-16.

Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2025

1 COMENTÁRIO

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Abertos

Últimos do Autor

PHP Code Snippets Powered By : XYZScripts.com