O agronegócio brasileiro, nosso maior ativo internacional, está em risco. A guerra tarifária promovida pelos Estados Unidos contra o Brasil atinge vários setores, principalmente, o agronegócio. E as tarifas impostas são apenas a ponta do iceberg que o Brasil está prestes a abalroar.
Nessa guerra, a grande maioria dos analistas da grande mídia tem cometido um erro brutal. Estão atribuindo esse movimento americano exclusivamente à defesa de Trump de um aliado político, Jair Bolsonaro. Essa é a narrativa do governo Lula que foi comprada pela mídia.
Analisando o cenário geopolítico atual, esse tipo de leitura simplista demonstra um nível absurdo de cegueira, proposital ou não, para entender o que realmente está acontecendo. É preciso enxergar que o grande objetivo dos EUA é atingir a China e impedir que seu avanço no mundo. O projeto chinês tem avançado em diversos países com uma estratégia muito clara: dominar pela dependência econômica.
Os Estados Unidos estão mais atentos a esses movimentos, rompendo com décadas de um olhar descuidado em relação à América Latina. O Brasil, como segundo maior país das Américas, é um “player” importante nesse jogo estratégico. Muito da postura americana em relação às retaliações ao Brasil advém dessa nova guerra fria com a China.
Porém, esse artigo não vai abordar as atuais sanções contra o Brasil. Vamos abordar algo que, embora diretamente ligado, está ocorrendo “abaixo do radar”, mas que pode realmente resultar em reais prejuízos ao agronegócio brasileiro.
Dias atrás, sem chamar muita atenção da mídia brasileira, o Senado americano recebeu um projeto de lei que pode piorar a maneira como os EUA olham para o Brasil. Esse projeto de lei é o Intelligence Authorization Act para o ano fiscal de 2026, especificamente na Seção 514 do subtítulo B, que aborda a influência da China no setor agrícola brasileiro.
Este projeto, apresentado pelo senador republicano Tom Cotton, presidente do Comitê de Inteligência do Senado, propõe que a Agência Central de Inteligência (CIA) e outros órgãos de inteligência, como a Agência de Segurança Nacional (NSA), investiguem os investimentos e a influência chinesa no agronegócio brasileiro, com foco em possíveis impactos na cadeia de suprimentos global, no mercado e na segurança alimentar.
O texto estabelece que, em até 60 dias após a promulgação da lei, a Diretoria Nacional de Inteligência, liderada por Tulsi Gabbard, em conjunto com os Departamentos de Estado e de Agricultura, deve produzir um relatório inicial sobre:
• A extensão do envolvimento do presidente chinês Xi Jinping com lideranças brasileiras no setor agrícola;
• O grau de interação entre o governo chinês e o agronegócio brasileiro;
• As intenções estratégicas da China ao investir no setor;
• O volume de investimentos e joint ventures entre empresas chinesas e brasileiras;
• Os impactos desses investimentos na segurança alimentar e no mercado global.
Além disso, em até 90 dias, um relatório detalhado deve ser apresentado ao Congresso, podendo incluir anexos confidenciais. O projeto foi aprovado pela Comissão de Inteligência do Senado em 17 de julho de 2025 e aguarda votação no plenário do Senado e na Câmara dos Representantes antes de ser sancionado pelo presidente Donald Trump.
A menção explícita ao Brasil nesse tipo de legislação é inédita, refletindo preocupações dos EUA com a crescente influência chinesa no agronegócio brasileiro, que é um dos maiores exportadores de commodities como soja, milho e carne bovina.
Nos últimos 10 anos, a China investiu cerca de US$ 66 bilhões no Brasil, com parte significativa direcionada ao agronegócio, incluindo compra de terras, logística e infraestrutura. Entre 2019 e 2024, aproximadamente US$ 25 bilhões foram aplicados em infraestrutura logística, como portos e ferrovias. A estatal Cofco International, por exemplo, investiu R$ 1,2 bilhão em transporte ferroviário em 2025.
Especificamente para a compra de terras, grupos chineses – como o Hulunbuir State Farm Group – planejam adquirir entre 200 mil e 250 mil hectares em regiões como o oeste da Bahia e o Matopiba. Considerando preços médios de terras agrícolas no Matopiba, que variam de R$ 10 mil a R$ 30 mil por hectare (dependendo da localização e produtividade), o investimento em terras pode ser estimado entre R$ 2 bilhões e R$ 7,5 bilhões (ou aproximadamente US$ 360 milhões a US$ 1,36 bilhão, com câmbio de R$ 5,50).
Esses valores são aproximados, pois as transações muitas vezes não são totalmente divulgadas, e parte dos investimentos pode incluir arrendamentos ou parcerias, não apenas compras diretas. Esse mesmo movimento ocorre nos estados do Goiás, Mato Grosso e Paraná, ou seja, estão focados nas áreas mais produtivas do Brasil.
Mas porque o agronegócio brasileiro estaria em risco com essa investigação? São dois pontos principais: essa investigação pode levar a novas sanções americanas contra o agronegócio brasileiro, caso os americanos identifiquem um conluio entre os governos da China e do Brasil para desestabilizar o comércio agrícola americano; e, o fato de chegarem a essas conclusões, a presença maciça de empresas chinesas envolvidas com o agronegócio em território brasileiro mostraria que os chineses estão dispostos a substituir os brasileiros na exportação de produtos à própria China.
Em relação ao segundo ponto, o que hoje é um grande negócio aos produtores brasileiros, pode levar os mesmos a serem substituídos por produtores chineses, que normalmente usam mão de obra e tecnologia próprias, com baixo custo. Isso transformaria os chineses em reguladores agressivos do comércio e os brasileiros em meros coadjuvantes.
A situação ainda não chamou a atenção da maioria, mas muitos já estão enxergando os riscos no horizonte cada vez mais próximo. O agronegócio brasileiro pode deixar de ser nosso.