WENNER MELO | A Prisão de Allan dos Santos: uma breve análise jurídica

Wenner Melo
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Wenner Melo é advogado e também formado em Comércio Exterior, com especialização em Direito Público e Antropologia Brasileira. Articulista e cronista, também é comentarista político no Programa Café com Notícias da TV Piauí.

Se Allan dos Santos ameaça pessoas, ofende outras, onde estão os inquéritos ou processos contra o jornalista?

No dia 16 de setembro deste ano, a Polícia Federal, por intermédio da delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro, representou pela decretação da prisão preventiva do jornalista Allan Lopes dos Santos, com fundamento nos artigos 13, inciso IV, 312 e seguintes do Código de Processo Penal. [1]

ENTENDA O CASO

Em 14 de março de 2019, o então Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Dias Toffoli, com fundamento no artigo 43 do Regimento Interno da Corte, instaurou inquérito com o objetivo de investigar:


notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, de seus membros; bem como de seus familiares, quando houver relação com a dignidade dos Ministros, inclusive o vazamento de informações e documentos sigilosos, com o intuito de atribuir e/ou insinuar a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, por parte daqueles que têm o dever legal de preservar o sigilo; e a verificação da existência de esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e o Estado de Direito.


Na oportunidade, o Presidente do STF designou o Ministro Alexandre de Moraes para conduzir as investigações.

ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA


Citado cidadão, a pretexto de atuar como jornalista em um canal divulgado nas redes sociais (YOUTUBE e outros), reiteradamente produz e difunde conteúdos que demonstram aderência voluntária ao mesmo modo de agir da associação especializada ora investigada, focada nos mesmos objetivos: atacar integrantes de instituições públicas, desacreditar o processo eleitoral brasileiro, reforçar o discurso de polarização; gerar animosidade dentro da própria sociedade brasileira, promovendo o descrédito dos poderes da república, além de outros crimes.


Como se observa, o jornalista Allan Lopes dos Santos, no entender da PF, atentou contra as instituições republicanas e, por conseguinte, contra o Estado Democrático de Direito.

Para a autoridade policial, as condutas do jornalista se enquadram no crime de organização criminosa, além de ameaça, calúnia, injúria, difamação etc.


organização criminosa é a associação de agentes, com caráter estável e duradouro, para o fim de praticar infrações penais, devidamente estruturada em organismo preestabelecido, com divisão de tarefas, embora visando ao objetivo comum de alcançar qualquer vantagem ilícita, a ser partilhada entre os seus integrantes. [2]


O crime é previsto na Lei nº 12.850/2013 e traz como pena a reclusão, de três a oito anos, além de multa.  

A organização criminosa, no entender da polícia, serve para cometer outros crimes, como ameaça, calúnia, difamação, injúria, dentre outros.

INSUFICIÊNCIA DE PROVAS

A Polícia Federal deixa claro que o jornalista promove fake News com o intuito de:

  1. Atacar pessoas públicas, especialmente políticos;
  2. Desacreditar o processo eleitoral;
  3. Reforçar o discurso de polarização; e
  4. Gerar animosidade dentro da própria sociedade brasileira, promovendo o descrédito dos poderes da República.

A PF, embora acuse o jornalista de cometer os crimes de injúria, difamação, calúnia, ameaça, organização criminosa, dentre outros, não aponta os fatos delituosos, não traz a materialidade.

Se Allan dos Santos ameaça pessoas, ofende outras, onde estão os inquéritos ou processos contra o jornalista?

Afirma ainda que o jornalista, por meio do seu canal no Youtube, recebe recursos financeiros para propagar discursos antidemocráticos. Se isso é verdade, onde estão os links que evidenciam tais ações? Ademais, se as doações e assinaturas são de pessoas que acreditam no trabalho do jornal, em qual nação isso é crime?

Allan dos Santos é jornalista e possui uma TV web, o Terça Livre. Por meio de assinatura e doações livres, os telespectadores que apostam no trabalho do profissional são livres para bancar o projeto.

Por outro lado, se o Terça Livre é utilizado para cometer crimes de difamação, calúnia, injúria, ameaça, onde estão os cortes dos vídeos em que a Polícia Federal se embasou para acusar o jornalista?

Além disso, se o impacto das ações supostamente criminosas de Allan dos Santos é tão grande, é de se esperar um cem número de processos contra o jornalista. Então, onde estão esses processos?

A Polícia Federal também afirma que existe uma articulação entre Allan dos Santos com pessoas diretamente envolvidas na invasão ao capitólio americano no dia 6 de janeiro de 2021. Como base para a sua acusação, a PF cita a presença do jornalista no canal de Jonathon Owen Shroyer, processado por participar da invasão ao capitólio.

CONCLUSÃO

Entendo que a prisão do jornalista Allan dos Santos é ilegal. A Polícia Federal apontou inúmeros dispositivos legais que tratam de crimes, aplicando-os ao jornalista. Contudo, a autoridade policial não divulgou onde e quando tais ações delituosas ocorreram. O que se sabe é que os supostos delitos ocorreram por meio de lives no Youtube. Então, eu pergunto à Polícia Federal: onde estão os links dos vídeos em que aparecem Allan dos Santos ameaçando, caluniando, difamando ou injuriando?

A Polícia Federal, ao apontar indícios de crimes, tem o dever de evidenciar ,de forma pormenorizada, as ações do suspeito. Contudo, o pedido de prisão preventiva do jornalista se resumiu em transcrever as narrativas que a grande mídia veicula diariamente em seus telejornais, faltando ao órgão policial apontar os vídeos em que aparece Allan dos Santos cometendo os supostos crimes.

O Ministro Alexandre de Moraes, uma vez atendendo ao pedido da PF, comete mais uma ilegalidade. Vejam só: se você é acusado de inúmeros crimes sem, contudo, apontarem, no caso, os vídeos que serviram de base para a Polícia Federal incriminar você, como o acusado se defenderá?

Dessa forma, ao decretar a prisão de um jornalista com base em um relatório policial que não trouxe os vídeos dos supostos crimes, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, cometeu uma grave ilegalidade e esse prisão, por ser ilegal, deverá ser relaxada imediatamente.


[1] Art. 13.  Incumbirá ainda à autoridade policial:

(…)

IV – representar acerca da prisão preventiva.

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.       (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 1º  A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).    (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.    (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:            (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;            (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal;          (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;          (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

IV – (revogado).      (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 1º  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.    (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Art. 314.  A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do caputdo art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.            (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada.     (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.  (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:      (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

I – limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;      (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

V – limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.     (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.      (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

[2] NUCCI, Guilherme de Souza. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2020.

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20 COMENTÁRIOS

  1. “(…) reforçar o discurso de polarização; gerar animosidade dentro da própria sociedade brasileira, promovendo o descrédito dos poderes da república, além de outros crimes. (…)”

    Não consta em nenhuma legislação que tais atos sejam crimes. Tais acusações são risíveis. Mais parecem as dos regimes totalitários (jacobinismo, stalinismo, fascismo, nazismo, Juche, Kmer Vermelho, Comunismo Cubano) que acusavam os críticos de promoverem divisão, um crime inaceitável. Os radicais de esquerda, como o MST, fazem isso e muito mais, e de maneira muito mais violenta, ameaçando ministros (vide o que fizeram na fachada do prédio onde mora a Cármen Lúcia); e o STF não faz nada! Vemos, sim, perseguição política contra a direita.

  2. Aonde vamos com tanto absurdo? O mais incrível é ver a imprensa militante defender medidas como essa, sendo que a mesma imprensa é a primeira a falar contra a censura do governo militar, que nem chegou perto do que estamos vivendo hj!

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