SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | Sobre Constituintes e Futebol – parte 2

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

Escrevi ontem sobre o elo entre certos textos meus sobre política e futebol:

O futebol brasileiro também precisa de uma nova Constituição. A atual organização do ludopédio nacional vem desde 2003, mas – a exemplo da CF/1988 – tem sérios problemas nas premissas. Reformas pontuais são incapazes de resolver os vícios-de-origem. É preciso repensar tudo; e a forma correta de se repensar o futebol e a política são similares.

A Bruna Torlay encaminhou a coluna ao Rafael Nogueira, a quem citei diretamente no artigo. Ele a respondeu dizendo: “É que não sou eu nem o Paulo que escolhemos o timing. Quando vier, veio.” Ela me encaminhou essa resposta com o comentário: “E olha… Que venha logo.

Ainda bem que eu disse estar com dificuldade de me fazer entender. É evidente que não escolhemos o momento em que um evento dessa envergadura ocorre. Só expressei, e mantenho, ser prudente opor-se para que seja agora. Se vier a ocorrer logo, que, ao menos, não seja com meu apoio.

Agora, me permiti frisar algo muito relevante: é preciso debater-se abertamente a Constituição de 1988. Isso não só se pode, como se DEVE fazer JÁ, AGORA, IMEDIATAMENTE. Mas isso é algo BEM DIFERENTE do que apoiar uma Constituinte. Isso é começar-se a preparar o terreno para que uma Constituinte EFETIVA eventualmente seja possível. Hoje, não há a menor chance de sê-la.

Uma Constituição precisa ser escrita para a sociedade cuja estrutura política o documento pretende ordenar. Sociedades distintas devem necessariamente ter constituições diferentes, ainda que possam haver semelhanças entre as diversas cartas magnas. Apesar do nome “constituição”, as comunidades normalmente surgem antes do documento formal. Portanto, a Constituição raramente constitui, de fato, uma comunidade.

Esses detalhes são importantes. Apontam-nos o fato de haver uma outra “constituição” mais relevante do que o documento homônimo. Ressaltam ser necessário considerar as características e a história da sociedade como bases para a estrutura. Noutras palavras, a “constituição escrita” (ordem institucional) precisa ser compatível com a “constituição não-escrita” (ordem real). Caso isso não ocorra, o texto legal terá uma legitimidade efêmera. No conflito entre a ordem institucional e a ordem real, ainda que possa levar tempo para se concretizar, a ordem real acaba sempre por prevalecer.

O Brasil tem por costume focar-se na ordem institucional e ignorar a ordem real. É por isso que nossa história política é rica em cartas magnas de curta duração. Tivemos sete ao todo; seis dessas no período republicano: [I] de 1824 a 1891 (67 anos); [II] de 1891 a 1934 (43 anos); [III] de 1934 a 1937 (3 anos); [IV] de 1937 a 1946 (9 anos); [V] de 1946 a 1967 (21 anos); [VI] de 1967 a 1988 (21 anos); e [VII] a atual, desde 1988 (37 anos). A atual está a 6 anos de ser a mais longeva da República, e a 30 anos de ser a mais duradoura do Brasil desde a secessão em 1822.

Quiçá a única constituição que considerou a ordem real foi a primeira – não por acaso a que permaneceu em vigor por mais tempo. Essa conseguira, inclusive, sobreviver a instabilidade do período regencial (1831-1840) em que, na prática, o Brasil funcionou como uma república.

Como escrevi na seção Na Marca da Cal  da edição n.º 51 da Revista Esmeril (dez./23), no artigo intitulado Lendo História Adequadamente, a história do futebol nacional nos mostra dois caminhos para títulos legítimos de ‘Campeão Brasileiro’: (a) torneios independentes estabelecidos para determinar representante brasileiro na Taça Libertadores; e (b) edições da competição conhecida atualmente como Campeonato Brasileiro.

[Nota: apesar disso, a C.B.F. ainda não reconhece vários desses títulos (Torneio dos Campeões/Copa do Brasil/Copa dos Campeões), além de reconhecer um outro que não obedece a nenhum desses critérios (Torneio de 1937).]

No texto, ainda mostro como o futebol brasileiro se desenvolveu a partir de torneios estaduais, primeiro, e regionais, posteriormente. Outra força que surgiu com o passar do tempo foi a dos ‘Grandes Clubes’, a qual não desapareceu com o fim do Clube dos 13. De 1950 até 2002, a nacionalização do ludopédio tupiniquim, de maneiras mais ou menos satisfatórias, buscou acomodar essas estruturas. Quanto menos satisfatórias, piores foram os resultados.

Em suma, quando não se respeita a ordem real, isso tem conseqüências negativas. Isso vale tanto para o futebol quanto para a política. Veremos como isso se deu no futebol na próxima coluna.


Colunas anteriores:
Prólogo: Um Novo Calendário para o Futebol Brasileiro
Parte 1: Sobre Constituintes e Futebol

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