SANQUIXOTENE DE LA PANÇA | França: “¡É Gólpi!” – Não. Não é… [Entenda]

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

“¡Golpista!” (alguém, provavelmente)


¡¿Sério que há gente no Brasil indignada com a política francesa?! Pois é verdade. ¿Como pode? Confesso que isso me pegou de surpresa.
Até vejo razões para alguma revolta por aqui, mas não seria contra o ato de Macron. Nesta semana, tento explicar o que houve na França e qual seria a verdadeira relação disso com a política brasileira.

Terça-Feira, 17 de Quartubro de 524

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Diante do resultado da eleição para o parlamento europeu, Macron resolveu imediatamente aplicar o disposto no artigo 12 da Constituição francesa e, em consulta com o chefe-de-governo, dissolveu a Assembléia Nacional e chamou novas eleições. A notícia correu o mundo.

Foi uma medida drástica, mas também nada de outro mundo. Isso é algo absolutamente comum no parlamentarismo; e até no semi-presidencialismo, como é o caso francês. Quando há um sentimento de perda de confiança no governo, este pode – inclusive por livre vontade – requerer novas eleições antes do final do mandato.

A notícia foi bombástica por algumas razões. Primeiro, pela derrota já era esperada. Não se tratava, pois, de uma surpresa. Nada mudou na França com a eleição. Essa apenas confirmou um estado-de-coisas que todos já conheciam.

Segundo, pelo discurso do Macron ter sido confuso. Ele, ao mesmo tempo: afirmou que o resultado fora catastrófico, se eximiu de responsabilidade por esse, e abriu campanha em favor do governo que ele mesmo dissolvera.

Terceiro, pelo fato de Macron ter decidido que manter a Assembléia Nacional era politicamente pior do que se arriscar ir às urnas. Foi a primeira derrota dele desde que assumira a liderança de uma força política francesa. Porém, desde o primeiro pleito em 2017, seus resultados vem piorando.

Macron ganhou a presidência em 2017, assim como seu partido obteve maioria na Assembléia. Em 2019, seu partido elegeu 23 cadeiras no Parlamento europeu, empatado em 1º com o grupo da Marine Le Pen (porém, com um pouco menos de votos). Em 2022, Macron foi reeleito – de novo, com maioria parlamentar.

Contudo, os resultados de 2022 foram piores que os de 2017. Da mesma forma, os resultados de 2024 foram piores que os de 2019. Na eleição nacional, a queda não prejudicou o governo. Agora, não teve jeito. A eleição europeia foi uma lavada.

Macron alegou no discuso não ter pretensões políticas (não poderá mais se reeleger). Todavia, o ato parece ter algo de egoísta. Haveria uma esperança de que a nova eleição reforçará sua liderança.

Quiçá, entenda que a formação de um governo de coalização contra a nova Direita francesa seja suficiente para preservar-lhe a imagem. Mas sempre há o risco de o partido não ser mais majoritário ou até mesmo de a oposição conseguir formar governo. Aí, o maior perdedor poderá ser ele mesmo.

Eu, sinceramente, gosto desse sistema francês. Não sou francófilo. Pelo contrário, preciso controlar tendências francofóbicas. Porém, os desenhos constitucional e eleitoral franceses são bem feitos e funcionam.

Já imaginastes em 2005, aqui, o governo dissolvendo o congresso após a derrota acachapante no referendo do Desarmamento? Era o justo que ocorresse. Contudo, simplesmente fingiu-se que nada aconteceu. Isso foi estourar mais adiante.

Um outro exemplo seria a Dilma ter derrubado o Congresso em 2015; e não, o contrário. Isso seria mais simples e menos danoso do que foi o processo de impeachment (que, ainda por cima, promoveu o vice do mesmo governo que fora punido).

O cenário político pode mudar drasticamente entre uma eleição e outra. No Brasil, contudo, não há ferramentas eficientes para fazer reajustes e adequar o balanço das forças políticas à nova situação. Ficamos presos a um momento por quatro anos até podermos nos manifestar novamente. Se era para haver alguma indignação decorrente da situação francesa, deveria ser por não podermos fazer algo similar por aqui quando necessário.

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