Muitas pessoas, diante do atual quadro político e jurídico brasileiro, trazem à tona algumas distopias escritas no Século XX como A Revolução dos Bichos, de George Orwell; Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley e, não sem razão, a grande obra 1984, também de Orwell, pois todas trazem distopias totalitárias em mundos onde as pessoas são vigiadas, controladas e vivem em função de um Estado que se faz onipotente, onipresente e onisciente, substituindo Deus e a consciência individual.
Porém, para ampliar o debate, tenho trazido à lembrança uma obra pouquíssimo citada, talvez por ser muito obscura, que é o livro inacabado do escritor de língua alemã Franz Kafka chamado O Processo, publicado postumamente em 1927, visto que o mesmo veio a falecer em 1924, aos 40 anos. Porque trago esse livro, em específico, à memória? Pois a mensagem dele me parece bem importante no atual momento brasileiro pois, assim como eu, Kafka era um advogado incomodado com a confusão e desespero que vivia o mundo à sua volta, vivenciando uma burocracia estatal instalada no Sistema Judicial de um Governo autoritário. Devo dizer que, na minha juventude, esse livro foi a principal inspiração para eu me tornar um advogado, não um Juiz, Promotor, Delegado, etc., mas advogado, visto que ainda vivia em um País autoritário e cada vez mais burocrático, e tinha o dom e a vontade de lutar contra isso, mesmo sendo uma gota em um oceano.
A história do livro é sobre um cidadão comum chamado Josef K. Vejam, não um miserável ou um aristocrata, mas um bancário tranquilo, seguidor das Leis e nada combativo, que um dia é visitado por dois homens desconhecidos que se apresentam como agentes da Lei com o objetivo de prendê-lo, informando-o que está sendo investigado em um processo, porém, sem dar maiores detalhes do crime ou das circunstâncias dessa investigação. A saga que desenrola-se daí em diante é uma história de hermetismo, confusão e aprisionamento diante de uma burocracia incompreensível, com um final (?!) avassalador, que mostra o quão insignificante é o cidadão comum perante o Poder de um Estado monstruosamente autoritário e, necessariamente, burocrático.
Esse livro me fez ver, nos idos anos 1980, que deixar o Estado agigantar-se dessa maneira traz consequências inenarráveis às pessoas e ao país, sendo necessário nos tornarmos minimamente conscientes e diligentes em lutar contra um Poder Estatal acima das Leis que, amparado por uma infindável burocracia, não consegue mais distribuir o mínimo de Justiça, visto que sua função passa a ser a manutenção dessa burocracia, em vez do serviço à sociedade, atuando sempre ao sabor da vaidade pessoal de seus integrantes, apoiados pela opinião pública do momento. Isso já acontecia naquela época, sim, mas era pouco percebido. Quase tanto quanto hoje ainda o é.

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