JOAO EIGEN丨Pablo Marçal, Vilfredo Pareto e a nova elite brasileira

Joao Eigen
Joao Eigenhttp://www.youtube.com/@joaoeigen
Escritor, Mestre em ciência política (UFSC), advogado e youtuber. Autor de "O fascismo como ideologia e a revolta totalitária", da Appris editora.

o pervasivo sentimento de igualdade democrática que se espalhou pelo Ocidente após a derrota definitiva do Eixo na Segunda Guerra Mundial enfraqueceu a popularidade das ideias políticas e sociológicas elitistas e aristocráticas. De fato, atualmente, a ideia de que as relações humanas, tanto em nível micro quanto macro, sejam extremamente desiguais e hierárquicas, criando “aristocracias” naturais, é considerada politicamente incorreta e impopular. Afinal, superamos essas concepções arcaicas e adentramos definitivamente na era da igualdade democrática. O fato de que renomados autores da sociologia elitista, como Vilfredo Pareto e Robert Michels, tenham tido vínculos com o regime fascista italiano não contribui para a reputação dessas ideias; contudo, apenas o desagrado em relação a uma ideia não implica que ela esteja errada.

A política, nesse contexto, mesmo em um mundo de democracia com sufrágio universal, nunca deixou de ser aristocrática e elitista, apesar dos protestos e da defesa de ideais igualitários. O que se transformou foi a origem e a natureza das elites que disputam o poder, e não a essência do jogo. Se antes as elites provinham de castas guerreiras e, com o advento da modernidade, do comércio capitalista, hoje, uma parte delas emerge desse admirável mundo novo das redes sociais. Não poderia ser diferente, visto que a ascensão e queda de empresas e figuras estão atreladas à exposição nessa grande vitrine global formada pelas telas de smartphones. Mas qual é a qualidade desses novos membros da elite brasileira? Um exemplo pode ser encontrado na disputa eleitoral pela prefeitura de São Paulo: Pablo Marçal, até recentemente um excêntrico e polêmico coach motivacional que vendia cursos de enriquecimento rápido, e protagonista de gafes que viralizavam para o deleite das massas, agora, nos últimos meses, através de sua atuação na tragédia do Rio Grande do Sul, tomou de assalto o protagonismo da direita, rivalizando com a ala bolsonarista e figurando como segundo colocado na corrida eleitoral.

Enquanto muitos veem a figura de Marçal como um outsider usurpador, eu o enxergo como uma consequência natural da nova dinâmica dos novos membros da elite brasileira nos últimos 15 anos: coaches, funkeiros, pastores evangélicos, narcotraficantes e influenciadores que se vendem ao sistema. Some-se a isso a antiga casta patrimonialista do funcionalismo público e do agronegócio, e temos o quadro geral da aristocracia brasileira que continuará a influenciar as eleições. A era digital permitiu, de maneira cada vez mais acelerada, o conceito de “circulação das elites” de Vilfredo Pareto, demonstrando que essas ideias, mesmo politicamente impopulares, ainda permanecem atuais.

Mas há ainda uma questão que precisa ser mencionada: Marçal representa uma ameaça para a velha elite política brasileira em outro sentido. Como um coach que fez fortuna no mundo virtual, Marçal simboliza a nova força dos ricos influenciadores que emergiram de um ambiente diferente do tradicional jogo político de interesses, e é impressionante que o segundo lugar nessa disputada corrida eleitoral seja provindo do descentralizado mundo das mídias digitais e não do toma-lá-da-cá da velha política. As engrenagens estão se movendo, e as novas elites estão se organizando para disputar com as antigas um lugar ao sol na política democrática, um fenômeno que os antigos sociólogos elitistas do século passado julgariam uma inevitabilidade da natureza das coisas.

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1 COMENTÁRIO

  1. Muito bem escrito: sucinto e neutro.

    Só não ficou claro o conflito entre os velhos personagens do sistema e os novos que a esses se vendem. ¿Seria tal conflito importante apenas dentro do sistema, mas irrelevante para quem está fora desse?

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