Uma onça e um elefante treinado estavam no séquito que o monarca dos descobrimentos enviou à Santa Sé
Quando, em abril de 1500, os primeiros lusitanos aportaram na costa da atual Bahia, o rei português era D. Manuel I, O Venturoso. A historiografia moderna, materialista, frequentemente empurra para baixo a perspectiva religiosa que estava à vista dos agentes protagonistas dos Descobrimentos.
Depois que o Estado Moderno declarou guerra à religião e, na tentativa desesperada para substituí-la, arrogou-se o direito de ser o mediador não entre Deus e os homens, mas entre os próprios homens, a vida tornou-se um tédio. Todas as motivações humanas passaram a ser explicadas na clave da mera disputa, posse e manutenção do poder.

Isto, claro, deixou de fora os próprios burocratas estatais que, de posse de um poder inimaginável para os pobres reis medievais — estes frequentemente não passavam de meros proprietários rurais –, dão ordens à guisa de pitacos em todas as esferas da vida do pobre pagador de impostos. Metem-se em tudo com a bênção da nova classe sacerdotal, os cientistas.
É evidente, portanto, que o quadro histórico dos Descobrimentos fosse manchado com a conotação pejorativa de termos como opressão, exploração, escravidão, intolerância, ódio, ganância et caterva. É inconcebível à mente daqueles que foram amestrados nesta linguajem que, acima dos interesses materiais, havia objetivamente uma motivação nobre. A mais nobre dentre todas.

De fato, para o homem pré-moderno a aceitação da ordem natural das coisas não era um problema. No princípio, Deus. A vida permanecia lá, com a sua complexidade inerente; no entanto, sob aquele senso de ordem capaz de alocar todas as coisas, das alegrias às tristezas, em seus devidos lugares. Quando o primeiro grumete trepado na cesta de observação do mastro da caravela, cujo nome histórico é “c’ralho“, viu os contornos tênues do Monte Pascoal, ele sabia qual era a principal riqueza a se procurar em terra.
Antes dos metais preciosos, como ouro e prata; antes das riquezas minerais, como as jazidas de esmeraldas; antes da extensa riqueza vegetal do Pau-Brasil, os lusitanos prospectaram as possibilidades de enriquecer o Reino dos Céus. Introduzir os nativos, por meio da catequese, na cosmovisão cristã era fazê-los participar de uma experiência de elevação espiritual, moral e civilizacional.
D. Manuel sabia disto. O rei enviou, 14 anos depois da viagem de Cabral, uma embaixada a Roma a fim de reiterar a sua obediência ao Papa Leão X, e solicitar a intervenção do Vaticano em questões internas relativas ao reino português. A comitiva portuguesa chegou na cidade eterna no dia 12 de março de 1514. O séquito de mais de 100 pessoas, chefiado por Tristão da Cunha, deixou a Santa Sé boquiaberta; os moradores de Roma nunca haviam testemunhado tamanho espetáculo.

Na procissão foram empregados animais selvagens oriundos das colônias, e riquezas das Índias. Com efeito, a principal atração fora Hanno, um elefante albino enviado como presente ao Papa. O paquiderme, treinado pelos indianos, seria o mascote do Santo Padre por três anos. As crônicas da época relatam que, ao chegar defronte ao Castelo de Santo Ângelo, o elefante ajoelhou-se por três vezes diante do Papa e dos Cardeais e, com a tromba cheia d’água, os benzeu com generosas cusparadas.

Mas Hanno não fora o único animal a encantar a multidão. Vieram também dois leopardos, uma pantera, alguns papagaios, perus exóticos e cavalos indianos. Hanno, no entanto, roubou todas as atenções: o elefante carregava uma espécie de palanque de prata sobre o seu dorso, em forma de castelo, no qual havia um cofre com os presentes reais do monarca português ao Papa. Os mimos consistiam em paramentos bordados com pérolas e pedras preciosas, e moedas de ouro cunhadas especialmente para a ocasião.
Portugal era, à época, a principal nação evangelizadora do mundo.

Com informações do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

“(…) como o interesse seja o que mais leva os homens trás si que outra nenhuma cousa que haja na vida (…) desta maneira tragam ainda toda aquela cega bárbara gente que habita nestas partes ao lume e conhecimento da nossa Santa Fé Católica (…)”.
— Pero Vaz de Caminha
Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2025