Mariana Machado fala sobre seu recém-lançado Cordel de Santa Joana d’Arc
Um dos destaques da Muralha de Livros desta semana é um lançamento da João e Maria, o Cordel de Santa Joana d’Arc,da talentosa Mariana Machado, autora dos volumes de poemas Cães e astromélias (Mondrongo, 2021) e Entre mandalas, espadas e uma escada caracol (Mondrongo, 2022), e dos infantis Uma história de pescador (João e Maria, 2023) e Grandes histórias para pequenos viajantes (Raminho, 2024).
Conversei com Mariana sobre sua trajetória como leitora e escritora, suas percepções sobre a literatura infantil no Brasil, sobre seu lançamento recém-saído do forno, assim como futuros projetos literários.
Confira a entrevista a seguir, e um excelente final de semana!
Revista Esmeril: Fale um pouco sobre suas formações como leitora e como escritora de livros infantis.
Mariana Machado: Fui uma criança exposta a cantigas, parlendas, historinhas. Minha mãe sempre cantava e narrava para mim. Lembro dos discos de vinil coloridos com contos infantis. Quando tive catapora, minha mãe gravou uma fita cassete contando as historinhas de que eu mais gostava, especialmente “A Galinha Ruiva”.
Embora eu fosse negligente com a leitura, lembro de ser uma das únicas crianças que frequentava a biblioteca pública da minha cidade por livre e espontânea vontade, sem um adulto conduzindo a cabresto (no Brasil dos anos 80, não havia interesse na formação de filhos leitores). Eu sentia orgulho da minha carteirinha de sócia, uma cartela de papelão com títulos e datas de retirada e devolução. Não posso falar em fetiche por livros, porque, para uma criança de 7 anos, a relação que ela possui com os objetos não é de fetiche, mas, sim, de admiração, da percepção de certa aura, certo mistério, certo passaporte-para-inteligência. E, sim, eu gostava de ficar admirando livros nas estantes da biblioteca, mas nunca fui de devorar livros, meu perfil era mais de ficar roendo e roendo os ossos de algumas páginas.
Apesar de ter escutado muitas vezes que eu escrevia bem, não segui o caminho acadêmico de Letras (cursei licenciatura, bacharelado e mestrado em Artes Visuais) e, por muitos anos, escrever era um hobby. Somente aos 37 anos, após uma crise existencial tremenda, percebi que a literatura era o meu caminho e que precisava levá-lo a sério. Desde lá, busco aperfeiçoamento contínuo. Com relação aos livros infantis, em 2020 publiquei um livrinho chamado Jaime e Lola, mas estava um tanto cru e acabei tirando-o de circulação. Então, no final de 2022 a Lorena Miranda Cutlak me convidou para escrever uma adaptação de um conto, e foi aí que nasceu Uma História de Pescador, adaptação de “Sobre o pescador e sua esposa”. A partir daí surgiram outros trabalhos, inclusive uma coletânea que publiquei com ajuda de financiamento coletivo: Grandes Histórias Para Pequenos Viajantes.
Revista Esmeril: Como você avalia a literatura infanto-juvenil no Brasil hoje?
Mariana Machado: Especialmente por conta da literatura produzida em outros países e traduzida para o português, não podemos dizer que temos escassez de bons livros infanto-juvenis, hoje, no Brasil. Basta olhar as recomendações da Marcela Saint Martin e da Prof. Kemily Rodrigues.
Mas, com relação à produção atual de escritores brasileiros, é preciso garimpar para encontrar algo realmente bom. Cada vez mais as grandes editoras seguem parâmetros utilitários, panfletários, de pautas feministas, ambientalistas, LGBTQIA+… Por outro lado, algumas editoras religiosas criam uma produção proselitista que serviria muito bem ao estudo de teologia e à catequese, mas não ao desenvolvimento do gosto literário, estético. Em todos esses casos, o livro é usado como veículo de um conteúdo sem a preocupação com a forma artística, a forma literária, a literatura em si. Quando você inicia um livro pensando “preciso escrever um livro para incutir tal ideia no público”, pronto, acabou a literatura. E esse sufocamento artístico tem um preço.
Mas vamos lá: puxando a brasa para o que está próximo de nós, se tem uma editora que merece muito reconhecimento é a valente João e Maria, que vem expandindo seu trabalho de forma maravilhosa, oferecendo livros que combinam excelência literária e visual. Quem ainda não conhece O Casamento do Sol com a Lua, da Day Falcón, João e Maria, da Lorena Miranda Cutlak, O Gatinho Fujão, da Susi de Queiroz, Zita, a Mosquita Erudita, da Juliana Amato, A Busca, do Walter Lara, Cordel de Clara e Francisco, da Rebeca Traldi, e Meninos querem ser Dinos, do Fábio Golçalves, está comendo mosca!
Revista Esmeril: O que te inspirou a escrever um livro sobre Santa Joana d’Arc para crianças?
Mariana Machado: Recebi um chamado! Não foi um chamado místico (risos). Foi tecnológico. Por volta de novembro de 2023, Lorena me chamou no WhatsApp e propôs que eu escrevesse o cordel de Santa Joana. Aceitei na hora. Pouco mais de um mês depois, entreguei o texto. Claro que depois disso teve todo aquele bate-bola de editora e autora, com sugestões, argumentações de um lado e de outro, até chegar à forma final.
Revista Esmeril: Por que escolheu o formato do cordel para seu livro, e como foi o processo de composição?
Mariana Machado: A proposta foi da editora. Mas me senti bastante à vontade porque nos últimos anos tenho praticado a forma da balada no estilo pré-romântico, muito por influência do Wagner Schadeck, meu marido. Por exemplo, no livro Cães e Astromélias, transformei o conto “No Manantial”, de Simões Lopes Neto, na “Balada do Manantial”, e no livro Entre Mandalas, Espadas e uma Escada Caracol, transformei a balada “A Luva”, de Schiller, na balada “Tapa de Luva”. São apenas dois exemplos, mas nesses livros existem vários poemas narrativos. Não havia praticado o cordel ainda. No início senti certa dificuldade porque as estrofes contam com seis versos, e costumo praticar poemas narrativos com estrofes de quatro versos, mas depois de algumas dicas da Lorena, consegui pegar o jeito.
Revista Esmeril: Você tem novos projetos literários em vista? Poderia falar sobre eles?
Mariana Machado: Bom, tem alguns segredos editoriais aí, então, boca de siri! O que tenho no momento, além do lançamento do Cordel de Santa Joana d’Arc, que é um grande motivo de alegria para mim, é a transformação da coletânea Grandes História Para Pequenos Viajantes, que publiquei em março deste ano, em audiolivro. O material está sendo muito bem produzido pela empresa O Meu Livro de Bolso. Alguns contos serão narrados por mim, e outros pela Inês Carrières. Quem quiser degustar, pode buscar no Youtube ou no Spotify por “Retumbantezinho”, adaptação de Rumpelstiltskin, que já está disponível. Em três semanas pretendo disponibilizar mais dois contos nessas plataformas de acesso gratuito, mas o audiolivro completo, com os 10 contos, será vendido na Amazon Audible.
Amo escrever e narrar, interpretando as histórias. Gostaria muito de expandir o projeto de gravação de audiolivros, mas sinto-me sozinha para isso no momento. Então, vejo dois caminhos: ou surge uma parceria para me auxiliar sobretudo com a questão do marketing, ou vou realizar aos poucos, de maneira mais informal e com pouco alcance, gravando em casa e eventualmente investindo numa gravação em estúdio como fiz agora.