André Marsiglia fala sobre sua atuação como advogado de defesa no kafkiano Inquérito 4781
O entrevistado desta semana é o advogado, professor e escritor André Marsiglia, que desde 2019 vem defendendo clientes junto ao “peculiar” Inquérito 4781. Autor do livro Censura por toda parte, em que registra esse seu trabalho como um diário de bordo, André compartilha na entrevista a seguir um pouco de suas impressões sobre essa experiência nonsense, assim como suas perspectivas a respeito do futuro da liberdade no País da Censura.
Revista Esmeril: Gostaria de saber, em primeiro lugar, sobre sua opção pelo Direito e, especialmente, por atuar na defesa da liberdade de expressão.
André Marsiglia: Sou formado em Direito e Letras. Meu pai, Lourival Santos, sempre foi um defensor da liberdade de expressão, meu ambiente sempre foi ligado ao direito e à expressão. Vivendo no Brasil, um país cada vez mais autoritário, claro, a defesa desses valores me tomou como uma urgência.
Revista Esmeril: Fale um pouco sobre seu livro Censura por toda parte, lançado em julho deste ano. O que o motivou a escrevê-lo?
André Marsiglia: Há 25 anos atuo em casos de censura. Em 2019, fui o primeiro advogado a atuar nos inquéritos das Fake News, ao defender uma revista digital que existia à época, chamada Crusoé. Ela foi censurada por publicar uma matéria de capa sobre o ministro Toffoli, chamada “O amigo do amigo de meu pai”.
Tudo o que hoje é a conta-gotas revelado pela imprensa, eu vivi em primeira- mão. Essa história, esses bastidores jurídicos, precisavam ser contados. Meu livro não é um daqueles livros jurídicos chatos, é um diário de bordo do dia a dia de minha atuação.
Revista Esmeril: Como tem sido trabalhar como advogado de defesa em um inquéritotão, digamos, “peculiar” como o 4781?
André Marsiglia: É desaprender tudo o que aprendi e ensino nas universidades. Os inquéritos criaram uma jurisprudência de exceção que agora os ministros manterão e justificarão a qualquer preço. Ou seja, nem o presente nem o futuro são promissores, estamos cada vez mais distantes de um direito que dialogue com uma jurisprudência libertária que preserve a liberdade de expressão.
Revista Esmeril: Quando e como acredita que o Inquérito 4781 vai ser encerrado?
André Marsiglia: Não serão encerrados, não todos eles, serão em algum momento esquecidos em uma gaveta. Se forem encerrados, terão de revelar seu conteúdo a nós. Isso jamais acontecerá.
Revista Esmeril: Dada a desenfreada escalada do autoritarismo no Brasil, acredita que até mesmo advogados como você possam ser perseguidos futuramente?
André Marsiglia: É possível. Quando lancei o livro, algumas autoridades do nada passaram a me seguir no X. Não descarto que eu sofra alguma perseguição, seja pela atuação jurídica, seja pelo livro, seja pelas minhas recorrentes manifestações públicas na imprensa. Mas advogados, políticos e jornalistas têm não apenas o direito, mas o deverde se expressar. É nossa responsabilidade, e toda responsabilidade traz embutido algum tipo de sacrifício.
Revista Esmeril: Como você vê o futuro do país, a partir da situação em que nos encontramos? Acredita que esta distopia kafkiana pode ter fim? Como?
André Marsiglia: Só haverá fim se o STF recuar, ou se o Legislativo se tornar robusto o suficiente para reequilibrar os Poderes da República. Hoje, isso é muito difícil ocorrer. Em 26, com uma renovação do Congresso e do Executivo, talvez.