CULTURA POLÍTICA丨Um cavalheiro em Moscou

Bruna Torlay
Bruna Torlay
Estudiosa de filosofia e escritora, frequenta menos o noticiário que as obras de Platão.

Grata surpresa a minissérie A gentleman in Moscow, recém lançada na Paramount e protagonizada por Ewan McGregor, baseada no best-seller homônimo de Amor Towles. Imaginem um aristocrata russo condenado ao confinamento num quarto de empregados do maior e mais luxuoso hotel de Moscou, durante os 30 anos mais difíceis dos muitos anos difíceis já vividos pela Rússia – então União Soviética?

O nome do cavalheiro é Alexandre Rostov e as duas valiosas lições de prudência que repete ao longo da história são “domine suas circunstâncias, ou será dominado por elas”; e “mostrar constante contentamento é a maior prova de sabedoria”. Condenado em 1922 por um tribunal bolchevique ao confinamento perpétuo no hotel onde estava hospedado desde 2018, após ter as propriedades confiscadas pelo governo revolucionário, Alexandre resolve conservar sua essência e dominar as novas circunstâncias, de forma a evitar morrer de angústia ou ser engolido pelo rancor.

A minissérie da Paramount apresenta a história em oito episódios de grande beleza, diálogos espirituosos e algumas lições aparentemente extraídas das obras de Roger Scruton. O cerne da trama, contudo, é a preservação da própria humanidade em contextos de desumanização sistemática. É isso o que o conde quer dizer, quando ensina aos amigos, angariados em meio aos infortúnios, a “dominar suas circunstâncias”.

Ao longo da prisão peculiar, vê amigos outrora iludidos com a revolução abrirem os olhos para os horrores da realidade consequente do levante de 1917 e governos ulteriores; adversários tratados de forma cortês transformarem aversão em admiração; devotos auxiliares da mãe Rússia serem triturados pela impiedade do regime, vítimas dos expurgos de Stálin, ou da máquina de propaganda – cujo funcionamento implicava em silenciar almas atentas ao metódico falseamento da realidade, característico da antiga URSS.

Quanto a ele, senhor de suas circunstâncias, surpreendentemente vive os melhores 30 anos de sua vida – afinal, guardou sua alma e fez dela uma ponte para que outras, sem saída, encontrassem uma rota de fuga para a liberdade. Breve, o conde é o ser-humano de personalidade firme e consciência luminosa que sobreviveu à autodestruição do povo russo através da antiga União Soviética. Por amor à Rússia, não sucumbiu.

Um trabalho de qualidade cinematográfica, elenco fantástico, cenas tocantes, diálogos de profundidade incomum ao gênero, figurino impecável e bem-vinda sensibilidade. Melhor série de que tive notícia, desde “O homem do castelo alto”. Naturalmente, minha opinião se deve à ignorância da novela que origina a série. É muito provável que o livro seja melhor. Ainda assim, convenhamos: quem diria ser possível explicar a falácia inerente ao comunismo por meio de uma produção tão delicada?

Assistam sem medo. Além de tudo, a justiça poética se impõe e o adorável conde têm direito a um inusitado final feliz. Absolutamente imperdível.

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