CESAR LIMA | O humor é um incômodo necessário?

0
137

Vivemos uma era em que ofendidos tem mais poder do que aqueles que ousam se posicionar. O risco de se dizer algo “errado” é maior do que o de se calar diante da hipocrisia. O humor, desde os tempos antigos, é um dos modos de escancarar a hipocrisia da sociedade e do poder. Como tal, sempre será o alvo preferencial dos autoritários.

O caso da condenação do comediante Léo Lins a mais de oito anos de cadeia – e multado em valor milionário – tomou conta do debate público nacional nesta semana. Ele se tornou o bode expiatório da vez. Seus vídeos são alvo de investigações, seus shows foram cancelados, e seu nome virou sinônimo de “perigo à ordem pública” — tudo por fazer… piadas.

Não é a primeira vez que o humor é tratado como crime. Desde Aristófanes (Grécia antiga), passando por Chaplin (nos primórdios do cinema) e George Carlin (Comediante americano, preso em 1972 por piadas consideradas obscenas), os comediantes sempre foram os espelhos incômodos da sociedade. O humor negro, por mais agressivo que soe, é uma ferramenta de crítica, catarse e até denúncia. Proibi-lo é decretar que certos temas são tabus absolutos: como se silenciar a piada fosse resolver o problema que ela expõe.

No recente caso brasileiro, comediantes, personalidades e a população dividiram-se fortemente. Há aqueles que defendem a prisão e aqueles que veem nela o início de uma caça às bruxas. O caso escancara uma contradição perigosa: no Brasil, a liberdade de expressão é celebrada apenas quando agrada. Isso vale tanto para progressistas quanto para conservadores. Basta alguém cruzar a linha do que se entenda por politicamente correto — uma linha móvel, subjetiva e cada vez mais estreita — para se tornar alvo de censura institucionalizada.

E aqui não se trata de gosto. Você não precisa rir das piadas dele para entender o princípio que está sendo violado. Léo Lins faz piadas pesadas? Sim. Mas essa é exatamente a proposta de sua arte. Ele deixa claro o contexto, o gênero e o público-alvo. Ele não invade a casa de ninguém. Quem o assiste o faz por escolha. E é essa escolha que está sendo ameaçada. Não estamos falando de discurso de ódio — estamos falando de humor, muitas vezes grotesco, mas ainda assim humor.

A defesa de Léo Lins não é uma defesa de cada palavra que ele diz, mas do seu direito de dizê-las. A liberdade de expressão não existe para proteger discursos populares. Ela existe justamente para proteger o impopular, o desconfortável, o fora-de-padrão. Esses discursos só devem ser contrapostos através de discursos contrários. Somente assim a sociedade pode avançar.

Mais preocupante do que uma piada de mau gosto é a ideia de pessoas usarem a força estatal para forçar seu gosto pessoal sobre os demais ou defender causas beneméritas. Não importa. Sempre teremos os juízes de ocasião. É como permitirmos a existência de um tribunal do gosto alheio; e nesse tribunal encontramos progressistas ofendidos e conservadores puritanos. De novo, não importa. Sempre será o inferno para os adversários.

O humor escancara a hipocrisia pública. Alguns riem ao serem confrontados. Outros querem manter seus papéis sociais. Isso é liberdade. Mas, se não somos livres para rir do que nos incomoda – ou do que incomoda os outros – talvez não sejamos tão livres assim.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui