ENTREVISTA | Sobre Maquiavel e o “maquiavelismo”

Leônidas Pellegrini
Leônidas Pellegrini
Professor, escritor e revisor.

Autor de O mínimo sobre Maquiavel desmistifica o “folclore” em torno do pensador florentino

A entrevista desta semana é com Railson Barboza, autor de O mínimo sobre Maquiavel, volume em que Railson, além de analisar com propriedade e de maneira objetiva o pensamento do autor floretino, desmistifica a imagem negativa e quase folclórica que se formou em torno de Maquiavel ao longo dos séculos.

Saiba mais sobre o livro e sobre a importância de compreender o pensamento de Maquiavel para compreender a política atual na entrevista a seguir.


Revista Esmeril: Qual a importância de Maquiavel para a história do pensamento, e qual a importância de conhecer as ideias desse autor?

Railson Barboza: Maquiavel nutriu até metade de sua vida um gosto pela leitura e aprofundamento da história, enquanto na outra metade ocupou-se da experiência das coisas daquele contexto. Ele descreve com maestria a política, agora sob uma perspectiva autônoma, fria, sem a subordinação religiosa ou eclesial. A política possui um corpo. Esse corpo é o Estado, e dentro dele há muitos membros. Mas a cabeça deve ser o príncipe, sempre.

Maquiavel é atual porque coloca o ator político como protagonista, além de descrever os jogos de poder de modo atemporal, pois como diz o próprio autor: “os homens nascem, vivem e morrem de acordo com as mesmas leis”. Ele escreve o que os homens fazem, não o que devem fazer, já dizia Francis Bacon. Por observar o orbi político de modo real, Maquiavel é o pioneiro a pensar a política como ciência.

Sua importância é grande para entender os jogos de poder dentro da política como um todo.

Revista Esmeril: Recentemente você teve publicado o livro O mínimo sobre Maquiavel. Como o volume está estruturado, e sob qual perspectiva você trata o autor?

Railson Barboza: O livro está estruturado sob cinco capítulos: no primeiro trato o movimento antimaquiaveliano, ou seja, aquele responsável pela introdução na intelectualidade e no senso comum da demonização do autor Florentino; no segundo capítulo, há o oposto: a desmistificação dessa alcunha pejorativa, com base em especialistas em Maquiavel e comentários de grandes filósofos sobre ele; no terceiro busco simplificar os conceitos de virtù e fortuna, chaves para entender o príncipe maquiaveliano e o próprio pensamento do autor; em quarto, discuto de forma pioneira uma possibilidade: se há ou não uma teoria das virtudes em Maquiavel, ou seja, a prevalência de virtudes heróicas para a constituição de um princípio forte, e quais seriam essas virtudes; por fim, discuto sobre política, Estado e república em Maquiavel, e como as conceituações nos ajudam a entender a visão do autor de modo total.

Revista Esmeril: Em relação a essa desmistificaçãoda figura de Maquiavel que você trabalha em seu livro, o que é mais importante de ser apontado?

Railson Barboza: Como afirmo no livro, Maquiavel foi intérprete político de um contexto, fruto de uma era rica em dramaticidade e conspirações. Em nenhum momento ele foi um defensor da imoralidade ou do uso irrestrito da força e violência, mas avalia com cautela quais são as situações que devemos ser pragmáticos e não agir somente de modo sentimental. Quando o Estado ou a liberdade dos cidadãos está sob ameaça, a guerra se torna um assunto indelegável e indispensável para o Estado.
A questão é: será que devemos agir como “bonzinhos” o tempo todo? Para Maquiavel, não. A generosidade de modo exagerado é nociva, afirma o autor, pois as pessoas ficam mal acostumadas com a bonança, e quando se precisa fazer alguma retenção daqueles bens, por inúmeros motivos, o povo se revolta contra o líder.
O papel de Maquiavel é a de um conselheiro. Conselheiro que não deixa de falar a verdade, prefere desvendá-la e desnudá-la cruamente, do que encobrir com mentiras as predisposições dos homens quando detém o poder.

Maquiavel, de fato, fala como o homem político atua e é, não como ele deve atuar ou deve ser. Aí se encontra sua originalidade.

Revista Esmeril: Há uma sentença em destaque na conclusão de seu livro, que gostaria que comentasse aqui: “O ‘maquiavélico’ significado que seu nome ganhou ao ter sido adjetivado pelo senso comum durante séculos demonstra sua grandeza e singularidade”.

Railson Barboza: A maioria das pessoas que condenam hoje as palavras e escritos de Maquiavel é composta por quem nunca o leu. Observe a nossa sociedade. Os atores políticos, de modo geral, são levados pela ganância, pela ambição, pela vaidade, pelo egoísmo, pela aparência. Todas essas inclinações são apontadas por Maquiavel na sua obra principal. “Os homens são egoistas, ávidos pelo dinheiro, vaidosos, ambiciosos”, já dizia o autor Florentino.
Apontar os erros e tais predisposições incomoda, principalmente, àqueles que agem dessa forma. É o famoso jargão “a carapuça serviu”.
“Os fins justificam os meios”, frase que nem escrita por Maquiavel foi, mas constantemente associada à sua filosofia, desnuda a realidade política atual pautada em ações inescrupulosas. Retomo: quem julga Maquiavel não o estudou, principalmente comigo.

Falando à sociedade renascentista, Maquiavel alerta sobre perigos também dos dias atuais, descrevendo o que de fato a política se torna a cada dia, com pessoas que pensam mais em si do que no bem comum. Por isso, como escrevo no livro, Maquiavel é tão atual, atrai tantos leitores e, simultaneamente, é tão demonizado.


 

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