PAULO SANCHOTENE | “São Paulo é solo preto e indígena”

Paulo Sanchotene
Paulo Sanchotene
Paulo Roberto Tellechea Sanchotene é mestre em Direito pela UFRGS e possui um M.A. em Política pela Catholic University of America. Escreveu e apresentou trabalhos no Brasil e no exterior, sobre os pensamentos de Eric Voegelin, Russell Kirk, e Platão, sobre a história política americana, e sobre direito internacional. É casado e pai de dois filhos. Atualmente, mora no interior do Rio Grande do Sul, na fronteira entre a civilização e a Argentina, onde administra a estância da família (Santo Antônio da Askatasuna).

Hoje, deparei-me com uma notícia vinda da Pauliceia. A Câmara de Vereadores da capital bandeirante publicara uma nota, da qual transcrevo partes (a íntegra pode ser lida aqui):

<< A Comissão de Educação, Cultura e Esportes realiza no dia 27 de setembro, às 11h, Audiência Pública com o tema “São Paulo é solo preto e indígena”… o projeto… dispõe sobre a substituição de monumentos, estátuas, placas e quaisquer homenagens que façam menções a escravocratas e higienistas por personalidades históricas de negras, negros e indígenas… Para o debate foram convidados representantes das secretarias municipais de Educação, Cultura, Direitos Humanos e Cidadania, além de representantes de movimentos negros e indígenas, movimentos que debatem memória e justiça racial e de organizações que fazem o debate urbano. >>

A nota é relevante por diversos motivos. Primeiro, escancara o desejo dos “defensores da igualdade” em reforçar desigualdades ao ressaltar “raças” humanas, como se essas não fossem mera recente invenção histórica (há 5 séculos) de quem pretendia justificar-se superior a outros homens por uma suposta evolução da espécie.

No projeto tal premissa segue em pé, como se “branco”, “preto”, “vermelho”, e “amarelo” tivessem qualquer base biológica. Não têm. Quando muito, há uma base sociológica decorrente de 500 anos de aplicação forçada de uma mentira – com nefastas conseqüências.

Segundo, que São Paulo tem raízes africanas e indígenas, isso sequer é passível de discussão. São Paulo é localizada no entroncamento de diversas estradas indígenas. Não é à toa que a cidade é o eixo do Brasil, pois já o era antes mesmo da chegada dos portugueses.

Ademais, se o Brasil tem uma forte africanidade presente na sua alma, muito é devido aos portugueses. Aliás, devido a um grave pecado português – pecado esse decorrente da falsa concepção de que seja possível ao homem dividir a humanidade em raças distintas.

Nosso lado africano é um efeito colateral positivo de um instituto horroroso, adotado pelos lusitanos e continuado por nós até o fim do século XIX. Porém, tal nefasto instituto, a escravidão, foi responsável direto pela vinda de africanos para o outro lado do Atlântico. Se pode haver um exemplo concreto do que significa o ditado “há males que vem para o bem” seria esse.

Afinal, não fosse pela abominável prática de importação forçada de mão-de-obra escrava, seria impossível para São Paulo ser hoje um “solo preto”, como afirma o título do projeto. Porém, os autores querem eliminar qualquer menção a tal fato. Teriam esses povos simplesmente ficado do lado de cá quando a Pangeia se separou em diversos continentes?

Por fim, pergunto: haveria negligência sobre a contribuição indígena e africana para a formação da comunidade cívica paulistana? De longe, eu não tenho como saber. Aceito, contudo, partir da premissa que haja, sim. Se é necessário apagar da memória pública outras contribuições para que aquelas recebam o tratamento justo, isso, para mim, já parece exagero. É inegável, no entanto, tratar-se de uma discussão importante; a qual deveria envolver toda a cidade.

Agora, não é isso o que a Câmara de Vereadores se propõe a fazer. Antes o objetivo fosse o de promover um debate amplo, que viesse a resultar no alargamento das perspectivas dos cidadãos paulistanos sobre a formação histórica da cidade e o significado do que seria a Cidade de São Paulo. Isso seria absolutamente espetacular. Todos ganhariam. O que a Câmara chama de “debate”, infelizmente, é na realidade algo bem diferente.

No dia 27/09, o que ocorrerá nada mais é do que uma “conversa de comadres” entre apoiadores do projeto em sua integralidade. Apesar de liderado por auto-intitulados “defensores da democracia”, para o “debate” não foi convidada uma única voz dissonante que fosse; sequer para demonstrar que o projeto seria, sim, superior às objeções – algo que pode perfeitamente ser o caso.

Infelizmente, “democratas de unanimidade” preferem evitar qualquer risco de eventualmente verem-se diante de uma objeção pertinente do que lhes dar a oportunidade de provar que têm, de fato, razão.

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