JOAO EIGEN丨Leia para entender como Alexandre de Moraes pensa

Joao Eigen
Joao Eigenhttp://www.youtube.com/@joaoeigen
Escritor, Mestre em ciência política (UFSC), advogado e youtuber. Autor de "O fascismo como ideologia e a revolta totalitária", da Appris editora.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes proferiu, há 7 meses, uma palestra extremamente esclarecedora aos calouros da faculdade de Direito da USP. O tema da palestra foi a “defesa da democracia”; o link também está no rodapé, e a fala do Ministro começa a partir dos 2:08:57. Recomendo que todos assistam na integralidade, pois é extremamente interessante e revela o mindset por trás das ações tão criticadas do Ministro.

O que, para mim, essa palestra do Moraes revelou de mais importante foi como o Ministro tratou o princípio fundamental e constitucional da liberdade de expressão. Moraes relata todo um contexto no qual a democracia está sendo “atacada” e “corroída” “por dentro”, e isso é muito importante: para o Ministro, os bárbaros estão dentro dos portões. E quem são esses bárbaros? A “extrema-direita raivosa” que aprendeu técnicas sutis e avançadas para minar a democracia utilizando-se das mídias sociais e da liberdade de expressão. O grande e ardiloso trunfo desses extremistas, segundo Moraes, é que eles nunca se posicionam como antidemocráticos, mas como próprios defensores da democracia e da liberdade; ao pintarem a democracia como em perigo e precisando de salvadores, esses extremistas acabam convencendo uma enorme parcela do eleitorado.

É aí que a coisa fica interessante. Toda a caracterização feita por Moraes dá a entender que, excetuando um diminuto círculo de líderes dessa extrema-direita, todo o resto do eleitorado que se afeiçoou a essas ideias é similar a gado. E não estou exagerando. Moraes usa literalmente o termo “lavagem cerebral” para caracterizar as pessoas que caíram nas manipulações desses extremistas. De fato, é difícil entender quem exatamente são esses tontos que se deixaram levar pelo velado discurso antidemocrático: seriam apenas os baderneiros do 8 de Janeiro? Não, porque Moraes fala do uso dos “grupos correntes” de WhatsApp e similares, e parece querer englobar um contingente enorme de eleitores. Não é exagero interpretar a fala de Moraes no sentido de que quem mais ou menos simpatiza com o bolsonarismo está apto a ser incluído nesse grupo de vítimas da lavagem cerebral.

O que importa, no entanto, é isso: Moraes está explicitamente afirmando que há certos tipos de ideias e pensamentos que não apenas não podem ser aceitos na festa democrática, mas que quem passar a defendê-los não está fazendo isso por livre e espontânea vontade e exercendo seu direito à liberdade de expressão. Não, o buraco é mais embaixo. Quem o faz, o faz porque está fora de suas faculdades e deve ser reeducado e guiado pelo Tribunal Superior Eleitoral ao “pensamento democrático correto”. Para esse fim, claro, expedientes invasivos podem ser utilizados; afinal, o que está em jogo é a própria democracia, não é mesmo!?

É, confesso, um pouco assustador perceber que um Ministro tanto do STF quanto do TSE esteja não apenas relativizando a liberdade de expressão, mas o está fazendo assumindo a incapacidade cognitiva de cidadãos brasileiros e, com isso, justificando o uso de instituições do judiciário como novos “entes de razão” necessários para levar o gado ao esclarecimento do pensamento democrático “correto”. O Estado não deve ter o poder e nem o direito de educar ou guiar nenhum adulto a pensamento “correto” algum; se alguém quiser pensar e defender ideias antidemocráticas, deve poder fazê-lo em alto e bom som, porque a democracia – pasme, Ministro! – não é o valor supremo de nenhuma sociedade, moderna ou antiga, mas sim a liberdade. A democracia, que é apenas um instrumento utilitário para a escolha de representantes, deve servir à manutenção das liberdades individuais que fundamentam o Estado de Direito. Se a democracia se tornar um expediente justificatório para atos que limitam e suprimem liberdades individuais básicas, como a liberdade de expressão e de pensamento, então ela é perigosa e deve ser prontamente descartada. Claro, isso seria óbvio num mundo mais são, que não é o nosso.

Eu não estou, com esse texto, atacando, acusando nem menosprezando o Ministro Alexandre. Estou apenas escrevendo minhas conclusões depois de assistir a uma palestra pública que ele mesmo proferiu. Se eu estiver errado na minha interpretação, me avisem.

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Palestra do Ministro Moraes na USP: https://www.youtube.com/watch?v=nDZ5VRLMlMk&t=7513s

3 COMENTÁRIOS

  1. TUDO NORMAL NA BANÁRNIA
    (Lucas Berlanza, 1/10/2024 – Facebook)

    A jornalista Eliane Cantanhêde deu mais uma demonstração do cenário de distopia esquizofrênica em que vivemos ao afirmar na Globo News que Alexandre de Moraes insiste em criar complicações para a rede social X operar no Brasil porque está “ganhando tempo” para “garantir as eleições”. Segundo ela, esse seria o entendimento dentro do próprio STF.
    Tratar-se-ia, na hipótese nada remota de a jornalista ter razão, de um tipo bem diferente de democracia em que um caso que deveria ser apreciado sob bases estritamente jurídicas e impessoais estaria totalmente subordinado a uma conveniência política do “juiz”, procurando “garantir” que as vozes que se expressariam através da rede social censurada estejam caladas. Com que objetivo? Só poderia ser o de aumentar as chances de as pessoas votarem como ele quer que elas votem. Uma analista dizer isso ao vivo na TV não causa espécie imediata. A anestesia social segue poderosa. Enquanto isso, Barroso diz que vai “recivilizar o país”! Enquanto as “ações emergenciais” do STF para “proteger a democracia” continuarem em operação, enquanto a “emergência” persistir, não haverá “recivilização” alguma.

  2. Ele não está sozinho. É um pensamento comum atualmente entre as elites dos regimes ocidentais. É o que justifica diversas medidas que se anda tomando nos mais variados países. Em resumo, o fundamento seria o seguinte:

    “Pela democracia sempre; ainda que contra o povo.”

    Aparentemente, eles não enxergam nenhuma contradição nisso.

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